sábado, 9 de julho de 2011

Faxina cosmica

Hoje, há centenas de milhares de partículas de lixo espacial na órbita da Terra. Se ninguém se encarregar de fazer a limpeza, a corrida espacial está ameaçada

por Guilherme Lepca : Revista Galileu


Guilherme Lepca
Crédito: Guilherme Lepca
Olhando para o céu noturno, os anéis da Terra nunca foram tão bonitos. Diferentemente das faixas de poeira de Saturno, no entanto, o halo da Terra foi feito por nós mesmos. Não passa de um
cordão formado por lixo espacial, destroços amassados de milhares de satélites que já serviram para monitorar o clima, transmitir programas de TV e ajudar as pessoas a se localizarem. E, se
não forem varridos para longe dali, podem ser um obstáculo para a nova corrida espacial que se desenha: neste ano, o governo americano anunciou o objetivo de chegar em Marte até 2030 e
algumas empresas privadas já estão testando aviões para circular pela órbita terrestre.

Com o aumento do trânsito espacial, essa sujeira sideral vem preocupando cientistas e engenheiros envolvidos com a corrida rumo a novos planetas. Há alguns anos, operadores recebiam por
mês um ou dois alertas desse tipo de problema. Agora, chega a acontecer duas ou três vezes por semana. Cada vez que a luz vermelha acende, dá-se início a uma jornada de 72 horas de
rastreamento com o uso de radar para refinar a órbita do objeto e estabelecer se há a possibilidade de colisão com algum satélite. “Ser atingido por um objeto de um centímetro em velocidade
orbital é o equivalente a explodir uma granada de mão”, diz Heiner Klinkrad, chefe do departamento de lixo espacial na Agência Espacial Europeia em Darmstadt, na Alemanha.

A preocupação atual ganhou corpo em fevereiro de 2009, quando a estrutura russa já defunta Kosmos-2251 e o satélite de comunicações Iridium 33 colidiram à velocidade de 42,1 mil km/h. O
impacto estraçalhou um dos painéis do Iridium 33 e fez com que ele começasse a girar de maneira irrefreável. A Kosmos-2251 foi destruída. De acordo com a Space Surveillance Network (SSN,
ou Rede de Vigilância Espacial), unidade militar dos Estados Unidos, as órbitas dos dois agora têm nuvens de destroços formada por mais de 2 mil fragmentos maiores que dez centímetros,
sem contar os que não podem ser analisados da Terra. Esses montes de lixo espacial errando pelo Cosmos ganharam o nome de Síndrome de Kessler, em homenagem ao ex-engenheiro da
Nasa Donald Kessler. Em 1978, ele elaborou a teoria de que a nuvem de estilhaços geraria uma reação em cadeia e as órbitas ficariam tão congestionadas que, com o tempo, nosso acesso ao
espaço ficaria bloqueado. Hoje, segundo levantamento feito pela SSN, há 12 mil objetos na órbita da Terra maiores que uma caneca de café, sendo que cerca de três quartos deles
correspondem a lixo espacial.
Guilherme Lepca
Crédito: Guilherme Lepca
Cemitérios
Resolver o problema envolve algumas providências simples como assegurar que as coberturas de proteção dos foguetes fiquem presas às naves, em vez de serem descartadas no espaço. Mas
é necessário que os responsáveis pelos satélites cumpram diretrizes internacionais elaboradas pela Inter-Agency Space Debris Coordination Comitee (IADC, o Comitê de Coordenação de
Destroços Espaciais Inter-Agências), que representa todas as principais agências espaciais do mundo. Eles exigem, por exemplo, que naves que circulam na órbita baixa da Terra devem
retornar à atmosfera e se incendiar no prazo de 25 anos depois da missão. Ao final de seu uso, satélites de comunicação deveriam ser impulsionados para uma “órbita-cemitério” 300 quilômetros
acima de onde atualmente costumam ser descartados. “Mas é muito comum deixar naves por aí”, diz Klinkrad. Doze satélites pararam de funcionar em 2008, mas apenas sete foram mandados
para longe. Em 2007, a China foi mais radical: contribuiu para o entulho cósmico ao lançar um míssil que destruiu seu satélite climático, o Feng Yun 1C. Foi uma exibição de capacidade militar
que, unida ao choque do Iridium em 2009, criou tanta sujeira que o número de fragmentos na órbita baixa da Terra que podem ser detectados desde aqui debaixo praticamente dobrou.

Hugh Lewis, professor de engenharia da Universidade Southampton, na Inglaterra, vem se dedicando a estudar abordagens para identificar e dar cabo do lixo espacial mais perigoso. Com o
levantamento, diversas novas tecnologias poderiam ser usadas para eliminar os tais satélites mortos. Um satélite especializado poderia disparar um raio de laser em uma estrutura abandonada,
o que faria com que os componentes se derretessem com a expulsão de gás, que serviria para impulsionar o dejeto para fora do caminho de uma colisão. Ou o satélite de limpeza poderia fazer
uma brincadeira orbital de “pregar o rabo no burro”, prendendo cabos ao satélite morto para aumentar o empuxo atmosférico e fazer com que ele pegue fogo ao chegar na atmosfera.

Prêmio espacial
De acordo com as leis marítimas, qualquer pessoa pode remover um navio abandonado sem a permissão do proprietário, mas não acontece a mesma coisa com os veículos espaciais, de acordo
com estipulação do Tratado do Espaço Sideral de 1967. “Uma vez que você manda algo lá para cima, é seu para a vida toda”, diz James Dunstan, advogado especializado em questões relativas
ao espaço e fundador do Mobius Legal Group em Washington. Junto com Berin Szoka da Progress and Freedom Foundation (Fundação para o Progresso e a Liberdade), Dunstan criou as bases
de um modelo econômico que faria com que a iniciativa privada assumisse a responsabilidade pela remoção dos dejetos espaciais. Um corpo internacional, como o IADC, colocaria um preço em
cada satélite defunto e particulares poderiam fazer lances pelo direito de comprar e tirar de órbita suas estruturas.

Um dos atrativos do lixo espacial é que sua reciclagem seria altamente rentável. Dunstan avalia que, das 6 mil toneladas de material que orbitam a Terra, um sexto é de alumínio de alta
qualidade na forma de foguetes superiores descartados. Se fossem unidos, poderiam se transformar em uma estação espacial baratíssima. “Eles podem virar material de proteção para outros satélites. Por que não colocar um barraco improvisado em órbita?”, diz, em tom de brincadeira.

O equivalente de um ferro-velho de peças espaciais está muito longe de se tornar uma possibilidade, mas a necessidade de se fazer alguma coisa com o lixo cósmico é imediata. “A nossa capacidade futura de usar o espaço está diretamente ameaçada pelos destroços lá espalhados”, diz Szoka. Em um movimento otimista, a Agência Espacial Europeia assinou em julho um
contrato com a empresa espanhola Indra Espacio para desenvolver um sistema de radar para detectar dejetos espaciais. Nos Estados Unidos, a Ball Aerospace and Technologies fez parceria
com a Boeing no satélite Space Based Space Surveillance (SBSS, ou Vigilância Espacial com Base no Espaço), um telescópio específico para ser usado para detectar lixo espacial, que está
pronto para ser lançado.

“É muito urgente que comecemos a remover a massa da órbita”, diz Klinkrad. Enquanto nós conversávamos, a equipe dele começava a colocar em prática mais uma campanha de rastreamento. Tinha alguma coisa atrás do satélite ERS da Agência Espacial Europeia, e era preciso decidir em menos de dois dias se seria necessário usar o combustível precioso para deslocar a estrutura. Como Klinkrad diz com voz resignada, “isto está se transformando em situação cotidiana”.
CONTAGEM REGRESSIVA PARA A SÍNDROME DE KESSLER | A maior parte dos satélites está localizada na órbita baixa, ou geossincrônica, da Terra, em que grandes quantidades de destroços espaciais se acumularam
Daniel das Neves
Fontes: New Scientist e EU Infraesctruture
Crédito: Daniel das Neves

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