Por Luciano Martins Costa em 27/06/2013 na edição 752
Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 27/6/2013
De repente, não mais que de repente, as instituições da República parecem funcionar como numa grande e sensata democracia: nesta quinta-feira (27/6), os jornais noticiam uma enxurrada de decisões, votações, medidas e iniciativas que fariam vibrar em cada brasileiro a “velhinha de Taubaté”.
Como se sabe, a folclórica senhorinha era, segundo o humorista Luís Fernando Veríssimo, a última pessoa no Brasil que ainda acreditava no governo do general Figueiredo (1979-1985).
Nas ruas de São Paulo e de outras cidades, uma profusão de pequenas passeatas ainda atrapalhava o trânsito e, em Belo Horizonte, uma multidão se mantinha nas ruas, mas de modo geral a vida urbana voltava ao normal.
Houve até mesmo quem se manifestasse a favor da volta da ditadura militar. Eram trinta patéticas figuras que se reuniram no Parque Ibirapuera e caminharam até a Avenida Paulista, sob o olhar complacente e curioso dos transeuntes.
Talvez não haja sinal mais claro de que, na sociedade, a democracia brasileira alcançou a maturidade suficiente tanto para forçar as instituições a servirem aos interesses da maioria, como para tolerar até mesmo a expressão da insanidade política representada pelos que preferem entregar a direção de suas vidas às Forças Armadas do que enfrentar a responsabilidade por suas próprias escolhas.
O fato é que os três poderes da República responderam com prontidão ao reclamo das ruas: o Executivo mandou suspender os reajustes de pedágios nas rodovias federais, repetindo o que havia feito o governador de São Paulo nas estradas paulistas; o Senado aprovou projeto que transforma a corrupção em crime hediondo e o Supremo Tribunal Federal mandou prender um deputado federal condenado a mais de 13 anos de prisão por crimes de peculato e formação de quadrilha praticados há quase vinte anos.
Há ainda outras medidas em andamento, e o debate sobre a reclamada reforma política começa a amadurecer, depois do choque provocado pela proposta presidencial de uma constituinte exclusiva para essa finalidade.
De repente, as instituições republicanas foram tomadas por uma irrefreável vontade política de fazer o Brasil desencalhar de certos impasses e dão a impressão de que as soluções para determinados problemas precisavam apenas de um empurrãozinho de fora.
Por outro lado, se de repente tudo parece funcionar, fica a pergunta: por que foi preciso incendiar as ruas para que as autoridades entendessem qual é o seu papel?
Uma pedra no caminho
Pode-se dizer que política pública é tudo aquilo que o poder público faz ou deixa de fazer. Por exemplo, se o Parlamento e o Executivo regulamentam a corrupção como crime hediondo, mas o Judiciário demora uma década para fazer a lei ser cumprida, a percepção geral é de que não há uma política pública referente a essa questão, ou que a política pública específica para o problema é a de manter uma larga tolerância com relação à corrupção.
Esse é o raciocínio usado pela imprensa, por exemplo, para relacionar a prisão do deputado federal Natan Donadon (PMDB-RO), determinada pelo STF, ao cumprimento das sentenças dos condenados na Ação Penal 470, aquela que ficou conhecida como a do “mensalão”.
Mas, na vida real, as decisões institucionais exigem o cumprimento de certos protocolos e garantias, sem os quais a democracia corre risco. Portanto, uma lei ou uma decisão numa área da administração não significa que está sendo colocada em prática determinada política pública.
Por isso, surpreende que os três poderes estejam sinalizando uma súbita vontade de colocar nos eixos as instituições democráticas, depois de tantos anos de omissão após a Constituinte de 1988.
Como não houve, na cena política recente, nenhum outro evento digno de ser considerado a não ser a onda de manifestações que varreram as grandes cidades brasileiras nas últimas semanas, tal fenômeno só pode ser creditado ao temor que têm as instituições da voz difusa que expressa o descrédito geral do poder.
Talvez nenhum outro exemplo pudesse decifrar melhor o que disse o pensador polonês Zygmunt Bauman sobre a “modernidade líquida”: os protestos que fluem como enxurrada pelas ruas das cidades desaguam agora nas instituições sólidas, que precisam acondicionar seu conteúdo.
No entanto, há uma pedra no meio do caminho, e ela se chama imprensa. Se a imprensa, como filtro intermediário entre o fato das ruas e seu destinatário (o conjunto de poderes da República), interpretar os protestos conforme seus interesses específicos, pode induzir as autoridades a decisões impróprias, prolongando a crise.
E a quem interessaria uma crise institucional estendida até, por exemplo, as vésperas das eleições de 2014? Certamente, àqueles que o jogo democrático deixa eventualmente fora do poder e que, como os trinta alienados que saíram às ruas para pedir a ditadura, não se conformam em ver triunfar a democracia.
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