sábado, 3 de dezembro de 2011

O vermelho e o verde




A luta em defesa dos bens comuns e da natureza tem potencial revolucionário
30/11/2011

José Roberto Cabrera e João Zinclar

Ao pensarmos o problema em torno da degradação do meio ambiente sempre somos levados a refletir sobre a ideia de equilíbrio, no qual os seres vivos conseguem de alguma forma produzir as condições necessárias à sua reprodução, considerando o mesmo num processo contínuo de transformação qualitativa operada tanto pela oferta de recursos como pela ação dos mesmos. Visto desse modo, a problemática ambiental se põe para o homem desde há muito tempo e seria leviano atribuí-la exclusivamente ao modo de produção capitalista.
No entanto, os processos de produção instituídos dentro da lógica do capital impuseram aos trabalhadores a extração econômica de trabalho excedente como uma decorrência natural e necessária do modelo de valorização contínua, deslocando o homem no interior do ambiente, sem equilíbrio possível, uma vez que o torna descartável enquanto agente individual do processo de trabalho. Isso desfaz vínculos históricos, familiares, étnicos em busca da inserção provisória no mundo do trabalho.
Embora o capitalismo tenha surgido no mundo rural inglês, a Revolução Industrial fincou suas raízes na cidade, no mundo urbano, consolidando uma dicotomia na qual o campo mantinha o homem próximo a terra e, portanto, condicionado a fatores externos que impunham uma dinâmica natural ao trabalho, enquanto o homem urbano, preso às exigências da máquina e da produção capitalista se via afastado das condições naturais de reprodução, submetido a um ambiente hostil, antinatural da cidade enfumaçada, repleta de doenças biológicas e “sociais” que arrancavam este homem de seu equilíbrio natural.
Cidade e campo compuseram, no imaginário do século 20, ambientes distintos, separados pela relação com a natureza em que a ideia de metabolismo entre homem e o meio ambiente estava mais próximo do campo que da cidade, e esta era tratada como o lugar do homem moderno, urbano, civilizado e dependente.
Talvez aqui resida um dos limites da compreensão sobre o metabolismo homem e natureza, na medida em que este é tratado como hostil num meio ambiente tendente ao equilíbrio. Assim, a natureza é tratada numa perspectiva de externalidade em relação ao homem, de modo que o homem e as condições de sua reprodução social não são objetos de análise ecológica e o meio onde vivemos, particularmente, as cidades são entendidas como responsáveis pelo desequilíbrio, por se construírem em oposição a uma natureza idealizada sem o homem e suas interações sociais.
A constituição de um homem cujo trabalho e as condições de sua reprodução não são mais por ele controladas expandiu-se em todas as direções, submetendo todo o processo produtivo e social à lógica da valorização contínua do capital.
O trabalhador submetido à lógica do capital transforma-se em mais um subproduto do desequilíbrio ambiental, uma vez que as condições de reprodução da sua vida encontram-se extraídas dele e submetidas às necessidades impostas pelo mercado de valorização contínua do capital. Ainda que as mercadorias sejam parte integrante do processo de reprodução das condições de vida, seu afastamento das necessidades objetivas e subjetivas em detrimento da valorização, afastam os indivíduos das condições mínimas de equilíbrio em relação aos bens naturais disponíveis.
O mercado capitalista transforma em riqueza a natureza e os bens comuns na medida em que se apropria deles privadamente. Não existe riqueza se ela não tem dono. Os bens comuns sempre foram objeto de cobiça e apropriação privada, levando consigo bens e direitos, que acompanharam o homem em seu processo de evolução, tanto biológica como social.
No entanto, me parece que estamos tendo dificuldade em desatar o nó que mantém distante esse tema das estratégias de longo prazo do pensamento crítico, de esquerda.
A cada dia, vai ficando mais evidente que o problema ambiental tem um forte conteúdo social. A ação do homem sob o capitalismo alterou radicalmente os processos naturais, colocando em risco a reprodução da vida nos padrões em que a conhecemos – tais mudanças revelam um nítido conteúdo social. São os mais pobres que mais sofrem com a deterioração das condições ambientais no planeta. Todo dia podemos observar esses efeitos não apenas nas catástrofes naturais, nas enchentes, desmoronamentos, secas etc., mas nos padrões de vida aos quais estamos submetidos.
Nas cidades e no campo, o envenenamento constante do ar, da terra, da água, dos alimentos produz efeitos devastadores sobre as condições de vida da população, muitos dos quais são invisíveis, mas nem por isso menos nocivos. O câncer tem caráter epidêmico e seus efeitos nunca são contabilizados como custo pelas empresas que envenenam o meio ambiente.
Se a problemática ambiental tem caráter de classe, por que temos tanta dificuldade em articular as lutas em defesa do meio ambiente com aquelas de caráter econômico? Por que as lutas políticas, de resistência aos avanços do capital, em defesa do trabalho, da redução da jornada, em defesa dos direitos humanos etc. não conseguem se articular com aquelas em defesa da natureza e dos bens comuns? Por que será que não conseguimos realizar uma crítica contundente aos cultivos de transgênicos, à monocultura de soja, aos desertos verdes dos eucaliptos? Por que uma parte da militância do movimento sindical, do movimento popular e de alguns partidos de esquerda não consegue romper com o horizonte desenvolvimentista e meramente distributivo na crítica ao estado atual das coisas?
A luta em defesa dos bens comuns e da natureza tem potencial revolucionário, pois contesta a lógica e a própria manutenção do capital. No entanto, por que as lutas em defesa dos bens comuns, como a água, o ar, o patrimônio genético, o conhecimento, a terra etc. não conseguem penetrar nos programas de setores da esquerda marxista? Ainda que se apresente de modo evidente, por que temos tanta dificuldade em explorar os nexos entre essa apropriação contínua da natureza pelo capital e a luta anticapitalista e anti-imperialista?
Tentar responder a essas questões é o desafio que se põe. Talvez aqui se encontrem os caminhos de nossa atualização estratégica, uma vez que, cá entre nós, há tempos não pautamos a perspectiva socialista de forma consequente.

José Roberto Cabrera é professor e diretor do Sinpro-Campinas
João Zinclar é fotógrafo.

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