sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

‘A vã procura por uma gostosa’



O jornalismo de entretenimento é uma seara curiosa. Numa revista masculina, por exemplo, a escrita é quase um penduricalho. Quem folheia, ou clica, quer saber das fotos, das curvas, das poses. No máximo, bate os olhos nas legendas.
Por isso talvez tenha passado desapercebida a gracinha de página inteira feita por uma certa publicação que, num lapso de criatividade, resolveu tirar sua casquinha no Judas da vez: os estudantes da USP que entraram em evidência graças aos invasores da reitoria.

Estudamos quatro anos para espalhar preconceitos, reforçar o sexismo, e jogar para a plateia. Foto: Flickr
A ideia era de fazer inveja a “Borat”, o personagem de Sacha Baron Cohen escalado para retratar a sociedade americana sob a ótica de um repórter do Cazaquistão. O desafio, por estes lados, era circular entre os estudantes da maior universidade do seu continente à procura da versão tupiniquim da Camila Vallejo, a lindíssima estudante chilena que ganhou o mundo por conta dos olhos azuis e da atuação política. Se fosse encontrada, a uspiana seria convidada a posar nua na revista – mas era uma piada, avisa a reportagem.
O título: “A vã procura por uma gostosa na USP”.
Não se sabe onde a apuração foi concentrada. Mas, pelo trabalho, a conclusão foi que, na USP, a “práxis” estudantil é mais recorrente que o “xampu”. E que blusinhas usadas pelas meninas só servem para esconder os “seios nada volumosos”. Que seria mais fácil colocar as “comunas” da USP em revistas de bizarrices. E que a única revolução realmente necessária na universidade é a revolução estética.
As sacadinhas soam como piada pronta. Do tipo: a “nipo-cocota” veste uma calça “mais justa do que a distribuição de renda na Albânia”? Entendeu? (É nessas horas que sentimos falta das risadinhas da série “Friends” ao fundo).
Tudo isso pode até caber num show de stand up comedy e suas consequências jurídicas.
Quando desemboca no jornalismo, é bom ligar o alerta.
É aí que perdemos o pé da função real da profissão, que é relatar boas histórias, dar vida a bons personagens, pressionar o poder público por melhorias, expor desvios secretos ao conhecimento geral.

Nos tempos atuais, chega a ser irritante o esforço de transformar o jornalismo em ferramenta de entretenimento e distração, algo tão leve que possa ser levado no ônibus quando não se quer pensar na vida ou que renda cliques despretensiosos entre o almoço e o café na firma.
A impressão que se tem é que, para fazer rir (ou distrair), vale tudo. Desde piadas contra os movimentos sociais até pontapés em mulheres grávidas. Quando jornalismo vira comédia, ele acaba jogando para a plateia em vez de informar. Uma plateia que, no caso, tem alergia a movimentos sociais e adora se dizer cansada de pagar impostos para alimentar um bando que, em vez de estudar, só pensa em protestar e fumar maconha.
O tipão imagina que, para se montar o ranking das melhores universidades do Planeta, leva-se em conta as variáveis “canabis” e “rebeldia juvenil”. E viu na revista masculina o eco da própria ignorância.
Pode parecer um caso bobo, e é. Mas a reportagem, sem querer, cumpre lá o seu papel: dar pano para os que acham que, para atuar no jornalismo, não é preciso diploma. Basta ser esperto (ou, no caso, galã e exigente) e fazer sempre o jogo do patrão.
De fato.
Para reforçar o sexismo, espalhar preconceitos e chutar as bolas da vez (os estudantes em que todos literalmente tentam colar a pecha de feios e maus) não é preciso muito estudo.

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