Aconteceu com Lugo o que quase aconteceu com Lula: a deposição.
Lugo e Lula têm semelhanças notáveis, fora o “Lu”: são fruto, para o bem e para o mal, da extraordinária desigualdade social da América do Sul. Os dois surgiram, Lugo no Paraguai e Lula no Brasil, pelos braços dos pobres. Braços e, importante sublinhar, votos.
A diferença fundamental é que Lula teve, em seus tumultuados anos de presidência, o apoio de um sindicalismo organizado e claramente disposto a reagir caso seus opositores encontrassem uma maneira de derrubá-lo. Afastar Lula teria sido um movimento muito mais arriscado do que foi tirar João Goulart, em 1964. Ou mesmo Collor, nos anos 1990.
Por isso, Lula não apenas cumpriu dois mandatos como elegeu Dilma, que os pobres, em sua sabedoria nada livresca e completamente intuitiva, deduziram que continuaria a fazer o que a administração anterior fizera.
Lugo, no Paraguai, jamais teve um suporte remotamente parecido com o de Lula. Os camponeses esperavam muito dele, mas Lugo acabou fazendo pouco — menos por vontade do que por um sistema que petrifica e perpetua a desigualdade. Quase toda a terra cultivável paraguaia está nas mãos de pouco mais de 1800 pessoas, que as ganharam praticamente de graça como recompensa pelo apoio à ditadura de Stroessner.
Uma delas é um brasileiro – ou brasiguaio, gente do Brasil radicada no Paraguai – chamado Tranquilo Favero. Favero, que apoiou a queda de Lugo, virou uma das pessoas mais odiadas do Paraguai ao dizer que camponês deve ser tratado a pancadas, “como mulher de malandro”.
As tentativas de reforma agrária de Lugo esbarraram num sistema judicial corrupto, montado para servir milionários como Favero. O fracasso de Lugo em promover uma reforma agrária não elimina o fato de que enquanto ela não for feita o Paraguai estará condenado a ser o país miserável que é.
O Paraguai não tem indústria relevante, e consequentemente o sindicalismo lá é frágil. Os trabalhadores rurais – carperos, como são conhecidos lá – não representam uma ameaça séria aos golpistas. São desorganizados e acabaram não enxergando em Lugo, um padre progressista que em nada lembra na aparência e nos modos um carpero, a resposta para seus problemas.
Por isso Lugo caiu, sob a alegação de “mau desempenho” feita por parlamentares de um partido, o Colorado, sob cujo domínio inepto, iníquo e corrupto de décadas o Paraguai foi transformado no paradigma supremo de tudo que um país não deve ser. Agora é uma democracia falsificada, como os uísques que incautos compram lá.
E por ter a retaguarda de sindicatos organizados – e também por ter sido visto, se não como solução, ao menos como uma esperança pelos pobres – Lula não caiu.
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