terça-feira, 10 de abril de 2012

Os EUA teriam treinado grupo responsável por ataques terroristas no Irã


O premiado jornalista Seymour Hersh desvenda programa de treinamento de um grupo terrorista iraniano em Nevada, nos EUA. O grupo pode ter sido o responsável pelos assassinatos de cientistas. 

Por Seymour Hersh [10.04.2012 09h50]

O premiado jornalista Seymour Hersh desvenda programa de treinamento de um grupo terrorista iraniano em Nevada, nos EUA. O grupo pode ter sido o responsável pelos assassinatos de cientistas. 

Por Seymour Hersh [10.04.2012 09h50]
Tradução de Idelber Avelar
Visto do ar, o terreno de Segurança Nacional do Departamento de Energia de Nevada, com seus planaltos áridos e remotos picos de montanha, se parece com o noroeste do Irã. O lugar, a aproximadamente 105 km a noroeste de Las Vegas, já foi um dia usado para testes nucleares, e agora inclui uma sede de treinamento de contra-inteligência e um aeroporto particular capaz de receber Boeings 737. É uma área restrita e inóspita – em certas partes, os curiosos recebem a advertência de que a segurança do local está autorizada a usar força letal, se necessário, contra intrusos.
Foi aqui que o Comando de Operações Especiais Conjuntas (JSOC) conduziu treinamento, a partir de 2005, para membros do Mujahideen-e-Khalq, um grupo dissidente da oposição iraniana conhecido no Ocidente como MEK. O MEK começou como grupo estudantil marxista-islamista e, nos anos 70, esteve ligado ao assassinato de seis cidadãos dos EUA. Eles foram, inicialmente, parte da ampla revolução que levou à derrubada do Xá do Irã em 1979. Mas, dentro de poucos anos, o grupo já estava livrando uma sangrenta guerra interna contra os clérigos dominantes e, em 1997, foi listado como organização terrorista estrangeira pelo Departamento de Estado. Em 2002, o MEK conseguiu alguma credibilidade internacional ao revelar ao público – corretamente – que o Irã havia começado a enriquecer urânio num local subterrâneo secreto. Mohamed Al Baradei, que na época era diretor geral da Agência Internacional de Energia Atômica, a agência de monitoramento da ONU, me disse depois que ele tinha sido informado de que o dado havia sido passado pelo Mossad. Os laços do MEK com os órgãos de inteligência ocidentais se aprofundaram depois da queda do regime iraquiano em 2003, e o JSOC começou a operar dentro do Irã, num esforço de dar substância aos medos do governo Bush de que o Irã estava construindo a bomba em um ou mais locais subterrâneos desconhecidos. Secretamente, começou-se a enviar financiamento a uma série de organizações dissidentes, para a coleta de inteligência e, em última instância, para atividades terroristas anti-regime. Direta ou indiretamente, o MEK acabou tendo acesso a recursos como armas e inteligência. Algumas atividades secretas apoiadas pelos EUA continuam acontecendo no Irã hoje, de acordo com oficiais de inteligência e consultores militares passados e presentes.
Apesar dos laços crescentes e de um esforço de lobby intenso organizado por seus apoiadores, o MEK continua na lista de organizações terroristas estrangeiras do Departamento de Estado – o que significava que o segredo era essencial no treinamento de Nevada. “Nós os treinamos aqui, sim, e limpamos a barra através do Departamento de Energia, porque ele é dono dessa terra toda no sul de Nevada”, me disse um antigo oficial sênior de inteligência dos EUA. “Nós os dispusemos em longas distâncias no deserto e nas montanhas, e construímos a sua capacidade na área de comunicações – coordenar comunicações é coisa grande” (Um porta-voz do JSOC disse que “as Forças de Operações Especiais dos EUA não sabiam nem participaram do treinamento dos membros do MEK”).
O treinamento acabou em algum momento anterior à chegada de Barack Obama à Presidência, disse esse antigo oficial. Numa entrevista separada, um general de quatro estrelas, que foi conselheiro dos governos Bush e Obama em questões de segurança nacional, disse que ele foi informado privadamente sobre o treinamento de iranianos associados com o MEK em Nevada por um americano envolvido com o programa. Eles receberam “o treinamento padrão”, ele disse, “em comunicações, criptografia, táticas de unidades pequenas e armamento – isso durou seis meses”, disse o general aposentado. “Eles foram mantidos em pequenos receptáculos”. Também lhe disseram, ele apontou, que os homens responsáveis pelo treinamento eram do JSOC, que em 2005 já havia se tornado um instrumento importante na guerra global ao terror do governo Bush. “Os treinadores do JSOC não eram caras da linha de frente que estivessem estado em batalhas, e sim figuras de segundo e terceiro escalões, e eles começaram a sair da reserva. 'Já que nós vamos lhes ensinar táticas, deixem-me mostrar-lhes umas coisas mais sexy...'”
Foi o treinamento ad hoc que provocou as chamadas telefônicas preocupadas a ele, disse o antigo general. “Eu disse a um dos que me telefonaram que eles estavam passando do limite e que poderiam se complicar a não ser que conseguissem algo escrito. Os iranianos são muito, muito bons em contra-inteligência e coisas assim são difíceis de se conter”. O local em Nevada estava sendo utilizado ao mesmo tempo, ele disse, para treinamento avançado das unidades iraquianas de combate de elite (o general aposentado disse que ele só sabia de um grupo filiado ao MEK que passou por esse treinamento; o antigo oficial de inteligência afirmou que soube de treinamentos acontecendo até 2007).
Allan Gerson, advogado do MEK em Washington, aponta que o MEK já renunciou ao terrorismo, repetida e publicamente. Gerson disse que ele não comentaria nada sobre o suposto treinamento em Nevada. Mas esse treinamento, se verdadeiro, ele disse, “seria incongruente com a decisão do Departamento de Estado de manter o MEK na lista de terroristas. Como os EUA podem treinar gente que está na sua lista de terroristas estrangeiros, quando outros encaram punições criminais por doar um centavo a essa mesma organização?”
Robert Baer, um agente aposentado da CIA, que é fluente em árabe e que já trabalhou de forma clandestina no Kurdistão e em todo o Oriente Médio em sua carreira, me disse inicialmente que no começo de 2004 ele estava sendo recrutado, para voltar ao Iraque, por uma empresa americana privada – que estava trabalhando, ele acreditava, em nome do governo Bush. “Eles queriam que eu ajudasse o MEK a compilar inteligência sobre o programa nuclear iraniano”, lembrou Baer. “Eles achavam que eu falava persa. Eu não falo. Eu disse que daria um retorno a eles, mas nunca o fiz”. Baer, que agora mora na Califórnia, lembrou que eles lhe disseram claramente na época que a operação “era algo de longo prazo – não apenas um negócio de golpe único”.
Massoud Khodabandeh, especialista em tecnologia da informação que agora mora na Inglaterra e é consultor do governo iraquiano, foi um quadro do MEK antes de abandonar o grupo em 1996. Numa entrevista telefônica, ele reconheceu que é inimigo declarado do MEK e advoga contra o grupo. Khodabandeh disse que ele esteve dentro do grupo desde antes da queda do Xá e, na condição de especialista em computadores, esteve profundamente envolvido em atividades de inteligência e segurança para a liderança do MEK. Ao longo da última década, ele e sua esposa inglesa coordenaram um programa de apoio para desertores. Khodabandeh me disse que ele já ouviu falar, de desertores mais recentes, do programa de treinamento em Nevada. Já lhe foi dito que o treinamento de comunicações em Nevada envolvia mais do que ensinar a manter contato durante ataques – também envolvia interceptação de comunicações. Os EUA, disse ele, encontraram, num certo momento, uma forma de penetrar em alguns dos principais sistemas de comunicações do Irã. Na época, ele disse, os EUA forneceram aos operadores do MEK a capacidade de interceptar telefonemas e mensagens de texto dentro do Irã – que eles então traduziam e compartilhavam com os especialistas em inteligência dos EUA. Ele não sabe se essa atividade continua.
Cinco cientistas nucleares iranianos foram assassinados desde 2007. Os porta-vozes do MEK negaram qualquer envolvimento nas mortes, mas no começo do mês passado, o telejornal da NBC citou dois oficiais sênior do governo Obama confirmando que os ataques foram realizados por unidades do MEK financiadas e treinadas pelo Mossad, o serviço secreto israelense. A NBC ainda citou os oficiais dos EUA dizendo que negavam qualquer envolvimento dos EUA nas atividades do MEK. O antigo oficial de inteligência com quem conversei confirmou a notícia da NBC, de que os israelenses estiveram trabalhando com o MEK, acrescentando que as operações se beneficiaram de inteligência americana. Ele disse que as vítimas não eram “Einsteins”; “O objetivo é afetar a moral e a psicologia iraniana”, ele disse, e “desmoralizar o sistema todo – os veículos de transporte nuclear, as fábricas, os prédios de enriquecimento nuclear”. Também foram realizados ataques aos canos. Ele acrescentou que as operações são “realizadas fundamentalmente pelo MEK em ligação com os israelenses, mas os EUA agora estão fornecendo a inteligência”. Um conselheiro da comunidade de operações especiais me disse que os laços entre os EUA e as atividades do MEK dentro do Irã eram antigo. “Tudo o que se faz hoje dentro do Irã é feito vicariamente”, ele disse.
As fontes com quem conversei foram incapazes de dizer se as pessoas treinadas em Nevada estavam agora envolvidas em operações dentro do Irã ou em outro lugar. Mas elas apontaram os resultados do apoio americano. “O MEK era uma piada total”, disse um consultor sênior do Pentágono, “e agora eles são uma rede real dentro do Irã. Como eles se tornaram tão eficientes?”, ele perguntou retoricamente. “Parte foi o treinamento em Nevada. Parte foi apoio logístico no Kurdistão, e parte dentro do Irã. O MEK agora tem a capacidade de realizar operações eficientes que ele nunca tinha tido”.
Em meados de janeiro, alguns dias depois do assassinato de um cientista nuclear iraniano por um carro-bomba em Teerã, o Secretário de Defesa Leon Panetta, numa reunião de soldados em Fort Bliss, no Texas, reconheceu que o governo dos EUA tem “alguma ideia sobre quem poderia estar envolvido, mas não sabe ao certo quem esteve envolvido”. Ele acrescentou “mas posso lhe dizer uma coisa: os EUA não estiveram envolvidos nesse tipo de atividade. Não é isso que os EUA fazem”.

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