FONTE: virusplanetario.net
Por Raquel Júnia – Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)
Número já deve constar nos prontuários de pacientes em tratamento de média e alta complexidade. Mas o que isso pode representar em melhoria do atendimento à população?
O Ministério da Saúde (MS) deu mais um passo para a implementação do Cartão Nacional de Saúde. Desde o dia 1º de março, o número deve constar nos prontuários dos pacientes atendidos na rede pública para procedimentos de média e alta complexidade. Como mostrou reportagem da EPSJV/Fiocruz no ano passado, desde a década de 90 há tentativas de colocar em prática um sistema como este, que falharam por vários motivos – entre eles problemas relacionados à tecnologia utilizada e capacitação dos trabalhadores. De acordo com o MS, a previsão é que até 2014 todos os brasileiros utilizem o Cartão Nacional de Saúde e, para isso, alguns desafios ainda precisam ser vencidos, como a integração dos sistemas de informação já existentes.
A inscrição do número do Cartão Nacional de Saúde nos prontuários dos pacientes desde março deste ano já estava prevista numa portaria emitida pelo MS em junho do ano passado. Na ocasião, o Ministério informou que ainda era “preciso aperfeiçoar a plataforma tecnológica, possibilitando a integração e a comunicação dos sistemas públicos de saúde”. De acordo com o Secretário de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde, Odorico Monteiro, essa integração continua a ser feita. Ele explica que o MS está trabalhando no Registro Eletrônico de Saúde (RES) que é a tecnologia por trás do Cartão Nacional de Saúde que possibilitará a integração e, consequentemente, a consulta dos dados dos pacientes. “Estamos aprimorando a passos largos as plataformas tecnológicas, o primeiro momento que estamos vivendo agora é de integração entre os vários sistemas. Já estamos fazendo a integração de dois sistemas, o que chamamos de CAD SUS, que é o Sistema de Cadastramento de Usuários do SUS, e o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). E paralelamente vamos fazer a integração de outros sistemas”, informa.
Para o professor-pesquisador da EPSJV/Fiocruz, Gustavo Matta, o Cartão Nacional de Saúde só pode se tornar uma ferramenta importante, mas só faz sentido se houver essa integração entre os sistemas informação. “Com o cartão se poderia, através do acesso informatizado ao cadastro dos usuários, saber a vida de acompanhamento e atenção em saúde de cada cidadão brasileiro, desde os processos de imunização, acompanhamento ambulatorial, saúde da família, até atenção hospitalar. Mas existe um problema da homogeneização da comunicação entre os diversos sistemas de informação. A criação do cartão SUS por si só não possibilita a transferência, comparatibilidade e análise compartilhada dos sistemas de informações em saúde”, opina. O professor lembra que já existem hoje vários sistemas de informação que não se comunicam, como o Sistema de informação da Atenção Básica (Siab), o Sistema de Informação Ambulatorial (SIA/SUS), o Sistema de Informações Hospitalares (SIH), entre outros. “Então, não teríamos antes que tentar criar uma plataforma ou uma organização nos sistemas de informação que permitissem o trânsito do cartão por todos esses sistemas de informação e de registro?”, questiona. Gustavo observa também que para isso acontecer seria necessário que todas as unidades de saúde tivessem prontuários eletrônicos dos pacientes o que é realidade apenas em poucos hospitais, sobretudo da rede privada.
Odorico Monteiro afirma que, embora esse processo de integração dos diversos sistemas de informação ainda não esteja concluído, há avanços. Ele destaca que o processo pode ser mais rápido em algumas cidades, dependendo do nível já estabelecido de informatização. Segundo o secretário, o Ministério está apostando no Registro Eletrônico de Saúde, que funcionará da mesma forma que um prontuário eletrônico, para ser o propulsor dessa integração. “Por exemplo, nos hospitais federais do Rio de Janeiro nós estamos bem avançados no sistema de informática. Belo Horizonte e Curitiba também já têm sistemas. É por isso que colocamos 2014 como marco para o cartão estar totalmente implementado em todo o território nacional, mas progressivamente em algumas cidades isso já estará acontecendo mais rapidamente. Estamos transformando essas plataformas em amigáveis”, descreve.
Cadastramento dos usuários
Juliana Machado, da Gerencia de Produção e Análise de Informação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), explica que, diferente do que foi pensado na década de 90 para o Cartão SUS, nessa nova política o esforço está concentrado em garantir um número individual para cada usuário, e, dessa forma, acessar a base de dados de cada paciente. “Originalmente, a ideia era que o próprio cartão tivesse mecanismos de armazenamento de dados também e isso realmente demandava uma tecnologia a qual todos os municípios e locais do país tivessem acesso. O projeto atual, nessa revitalização de 2011, já previu um cartão em que a penas o número identifique a pessoa, e aí, a partir do acesso às bases, os dados dessa pessoa seriam acessíveis. Então, o cartão, a mídia plástica não tem armazenamento de dados nenhum. O projeto foi simplificado para tentar abranger o maior número possível de pessoas. E isso é viável dentro do país”, diz.
Juliana, que também é especialista em regulação e está envolvida diretamente na discussão sobre a implementação do número do Cartão Nacional de Saúde também para os usuários dos planos privados, explica que nesse primeiro momento o esforço será de cadastramento de todas as pessoas. “O projeto não diz respeito apenas ao cadastramento, mas também à adoção de tecnologias mais avançadas que posam facilitar essa integração dos dados, e justamente, facilitar o uso desses dados para diversas finalidades. Mas a primeira etapa é resolver a questão do cadastramento”, comenta. Ela detalha que o cronograma de realização desse cadastro nacional começa com uma etapa que já está sendo desenvolvida de higienização da base de dados já existente para apagar as identidades duplicadas e obter a identificação individual das pessoas já cadastradas. Já a segunda fase, consiste em incorporar as pessoas que ainda não estão cadastradas a partir de algumas iniciativas. “Uma delas é associar ao Cartão Nacional de Saúde à base de pessoas com planos privados, dando o número do Cartão para quem não tem e associando o número nos cadastros da ANS àquelas pessoas que já têm, porque nós temos usuários de planos que já acessaram o SUS e já receberam esse número. Estimamos que 60% da base de pessoas com planos ativos possam ser identificadas e vinculadas na base do cartão. E esse já é um esforço que irá cobrir grande parte da população”, observa. Juliana acrescenta que o Ministério da Saúde utilizará tecnologias mais avançadas de acesso via internet para cadastrar os usuários em cada unidade de saúde, o que evitará a duplicidade de identidades. “A partir de abril, nós teremos já a utilização desse ‘web service’ para que as pessoas possam ser identificadas no momento do atendimento. Então, quem tiver um número já emitido, esse número poderá ser identificado”, diz. Odorico acrescenta que a meta é que os bebês já saiam da maternidade com o número do Cartão Nacional de Saúde.
Que função o cartão cumpre hoje?
O principal objetivo do Cartão Nacional de Saúde, segundo o Ministério da Saúde, é garantir que todo o histórico de atendimentos do paciente esteja registrado em uma única base de dados que poderá ser acessada pelo profissional de saúde que o atender. “A grande vantagem da utilização de uma identificação única pessoal é justamente para a própria população no sentido de que ela teria um atendimento de saúde muito mais completo. O médico poderá acessar a história da pessoa”, reforça Juliana Machado.
Mas e hoje, já é possível fazer esse acompanhamento dos pacientes? O Secretário de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde explica que funcionalidade o cartão já apresenta atualmente. Ele exemplifica com um paciente fictício. “Vamos supor que Francisco José da Silva seja um paciente hipertenso. Ele é acompanhado pelo médico da Saúde da Família Doutor Pedro Carlos, que prescreveu para ele o medicamento captopril 25 mg, duas vezes ao dia, e também uma dieta. Esse paciente tem também uma doença gástrica e gota, aí, para esses dois problemas, o médico prescreveu omeoprazol e alopurinol. O senhor Francisco acorda de madrugada com dor no peito e vai para o hospital. Ele chega no hospital e é atendido pelo Doutor Wilson. O Doutor Wilson ainda não vai ver no computador dele qual é o acompanhamento que o senhor Francisco faz no ambulatório do Programa de Saúde da Família (PSF) e o que o Doutor Pedro Carlos prescreveu para ele. Mas quando o Senhor Francisco entrar no hospital, toda a vida dele dentro do hospital já está registrada no Sistema de Informações Hospitalares [SIH]. Estamos trabalhando agora nessa plataforma tecnológica para que o sistema do PSF onde o seu Francisco é acompanhado também seja visto no hospital”. Odorico ressalta que no futuro todas essas informações estarão disponíveis. “Na hora que o senhor Francisco chegar no hospital, quando digitarem o número do cartão dele, toda a vida dele dentro do SUS será baixada naquele momento para que o profissional de saúde saiba o histórico dele. Essa plataforma ainda não está disponível, porque os sistemas estão isolados ainda”, complementa. Segundo Odorico, o usuário também poderá acessar seu histórico por meio de um portal que está sendo desenvolvido. O Secretário informa que nem todas os dados estarão disponíveis, mas o usuário poderá acessar, por exemplo, data de consultas, os tipos de exame feitos, em que hospitais ele já foi internado.
Para Juliana, ao contrário do que ocorreu em outros momentos, é fundamental que o projeto siga adiante para fortalecer o SUS. “Hoje nós percebemos que há vontade política e tem tudo para alavancar e dar certo”, aposta.
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