terça-feira, 16 de abril de 2013

A covardia da criminalização juvenil

presidio

O Brasil registrou nos dados consolidados de 2010 um número impressionante de homicídios, 49.932 – um aumento de 259% em relação a 1980. O Brasil é – qual a novidade? – um país violento.

O aumento das taxas de homicídio no país aumentaram quase que linearmente até 2003, quando começaram a apresentar eventuais quedas, como a notável queda entre os anos de 2003 e 2007, porém apresentando igualmente número que fazem inveja a qualquer país em conflito civil.
Para se ter uma ideia, a ONU calcula que, somente dentro da Síria, devido a uma guerra declarada, já morreram mais de 70 mil pessoas em dois anos. No Brasil morreram mais de 100 mil, no mesmo período, sem que nenhuma milícia tenha contestado a autoridade do poder central. Em 2010, por exemplo, morreram 137 pessoas por dia, em média – número superior ao do massacre do Carandiru (111). E todos os dias.
Os números absolutos são assustadores – e também o são percentualmente.
Entre 1980 e 2010 – 31anos portanto – o país perdeu 1 milhão de pessoas para a violência, com cerca de 70% deles por decorrência do uso de alguma arma de fogo. Em quase 20 anos de guerra na Somália (1982-2000), foram 30 mil mortos. A guerra civil na Colômbia deixou 45 mil vítimas em 36 anos. A guerra civil de Angola meio milhão de pessoas em 27 anos. A guerra civil na Guatemala fez 400 mil vítimas em 24 anos.
As perdas humanas somente no Brasil equivalem, em média, às perdas humanas nos 12 principais conflitos armados pelo mundo – incluindo alguns dos mais sangrentos, como Iraque, Sudão, Afeganistão, Paquistão e República Democrática do Congo.
Alguém tem dúvida de que trata-se – não de uma guerra, mas – de uma tragédia humanitária absolutamente bárbara e desumana? Eu não.
E não adianta tentar argumentar que o Brasil é um país de dimensões continentais. Trata-se de um notável falso argumento. O país tem taxas de homicídios por armas de fogo quatro vezes superiores aos da China, que tem sete vezes mais população que o Brasil. A Índia, com 6 vezes mais habitantes que o Brasil, tem 12 vezes menos assassinatos com armas de fogo.
E quem são as maiores vítimas por aqui? Pobres, negros/pardos e… jovens.
Enquanto 73,2% dos jovens brasileiros – 15 a 24 anos – morrem por “causas externas”, entre os não-jovens essa proporção não chega a 10%. Enquanto 38,6% dos jovens morrem por homicídios no país, entre os não-jovens essa proporção é de 2,9%.
Os dados do ‘Mapa da Violência’ de 2012, por exemplo – para deixar evidenciado para os que ainda não entenderam – mostram que entre 1980 e 2010 morreram no Brasil, segundo os registros do Ministério da Saúde, um total de 799.226 cidadãos vítimas de armas de fogo. Sendo que 450.255 mil deles eram jovens entre 15 e 29 anos de idade.
Dois em cada três vítimas fatais das armas de fogo são jovens. Quase meio milhão, e contando. E – na outra ponta – dos cerca de 26 milhões de jovens e adolescentes entre 12 a 18 anos, menos de 0,2% estão em conflito com a lei.
O Brasil segue um padrão às avessas quando se trata de encerrar – por comparação – um conflito civil de grandes proporções.
Segundo os órgãos internacionais mais experientes neste tema, você encerra uma tragédia como esta com três medidas nada simples, porém essenciais: (1) Fim da facilidade de acesso a armas de fogo; (2) o fim da cultura da violência e do discurso do ódio; (3) exemplar punição por meio de um processo justo e idôneo e a reconciliação “entre as partes”, inclusive com a adoção de conhecidos métodos de ressocialização e entendimento mútuo.
Quando a sociedade brasileira se depara com um assassinato bárbaro ou uma chacina, entra em pânico. Morrem 137 pessoas por dia, mas somente quando algo “aparentemente” grave acontece, queremos resposta.
A tática generalizada é muito simples: elencam-se estes e outros problemas – falta de controle das mais de 15 milhões de armas de fogo (registradas e não registradas), a cultura da violência que dá origem aos motivos fúteis ou aos impulsos, o baixíssimo grau de resolução dos inquéritos policiais – para, então, relacioná-los diretamente a qualquer outro motivo menor para tais crimes.
Como – por exemplo – à maioridade penal de 18 anos.
E o motivo é mais do que óbvio: é mais fácil criminalizar uma parte vulnerável da população do que enfrentar as causas do problema já devidamente constatadas. O lobby da indústria bélica é notavelmente maior do que o lobby a favor das crianças e adolescentes.
É como se um país em meio a uma guerra civil sugerisse que as suas crianças-soldado paguem pelos terríveis crimes contra a humanidade que cometeram, após terem sido arrancados de suas famílias, escolas, comunidades. Quer dizer, é a mesma coisa.
Conhecemos muito bem o desafio: a posição de que devemos ser mais “duros” com as crianças e adolescentes é um fruto inequívoco desta mesma cultura da violência que, em um ciclo perverso, mantem reféns pessoas ingênuas, numa espiral de medo e pânico. O desafio é conhecido, porém nada simples.

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