Fonte: www.cartamaior.com.br
A crise dos partidos não se origina de “traições” de líderes políticos, mas ocorre principalmente pela redução da força constitutiva de todas as decisões na órbita da política. A política perde a capacidade de incidir sobre o já decidido no mundo das finanças, se as suas propostas não estiverem em acordo com os caminhos oferecidos pelo poder do capital financeiro, a saber: os grandes bancos, as agências de risco, os bancos centrais. A força normativa do capital financeiro reduz, crescentemente, a margem de opção política dos partidos. O artigo é de Tarso Genro.
Tarso Genro (*)
Os partidos políticos, na sua forma atual, corresponderam a um largo período de desenvolvimento político e cultural nos países centrais. Eles foram “mimetizados”, imitados, nos países coloniais e neocoloniais, que avançavam e recuavam na conformação das suas democracias. A organização destes partidos, como organização de “parte” da sociedade, para aplicar um programa ao “todo” da nação -a partir de maiorias parlamentares ou eleições diretas para os executivos- fez avançar significativamente a democracia política.
O partido “parte”, neste contexto, também teve o contraponto do partido “todo”. Este requisita para si a representação universal, seja em nome da nacionalidade, com o nacional-chauvinismo de direita, que propõe um estado “total” para a nação; seja a partir da representação universal “classista”, com a suposta vocação do proletariado para dissolver, pela revolução, todas as classes para uma nova humanidade, num outro tipo de estado “total”. Todos os partidos - inclusive estes - também lastreados em certas leituras da cultura da modernidade, já apresentam rápidos sinais de superação.
Os verdadeiros partidos da modernidade contemporânea - ou pós-modernidade, se quiserem - não são mais exclusivamente os organismos tradicionais geradores de mandatos eleitorais. Estes perdem cada vez mais sua autenticidade programática e o seu nexo com a sua cultura e memória acumuladas. Como a orientação do “fazer” público vem migrando de forma gradual do terreno da subjetividade partidária para o espaço da objetividade economicista, há uma captura do “programa” dos partidos. Esta captura é feita pela força normativa do capital financeiro que, através das suas instituições, orienta as regras de “bronze” da economia financeira e reduz, crescentemente, a margem de opção política dos partidos.
A crise dos partidos não se origina, portanto, de “traições” de líderes políticos, mas ocorre principalmente pela redução da força constitutiva de todas as decisões na órbita da política. A política perde a capacidade de incidir sobre o já decidido no mundo das finanças, se as suas propostas não estiverem - inclusive as mais elementares - pelo menos em acordo com os caminhos oferecidos pelo poder do capital financeiro, a saber: os grandes bancos, as agências de risco, os bancos centrais.
O poder dos partidos esvazia-se e o poder do dinheiro incha. É um dinheiro falso, criado sem trabalho, mas é um poder verdadeiro, porque juridicamente apropriado por grupos, pessoas, setores sociais minoritários, que, quanto mais minoritários, mais concentram força. Estas minorias dominam, hoje, o núcleo real do capitalismo, que não está mais na produção de mercadorias, mas na produção artificial do dinheiro, configurado em supremo poder político.
Através do financiamento privado das campanhas eleitorais este poder se exacerba. Tanto sobre o mundo empresarial não dotado de bancos próprios, como sobre os partidos, que escolhem ou são coagidos a mercantilizar suas relações, para poderem sobreviver com mínima densidade eleitoral. Assim, a transformação de políticos em consultores e de consultores em políticos militantes não é, em princípio, uma questão de moralidade política. É um novo processo de formação de quadros e de reorganização programática dos partidos que, integrados nesta nova lógica, tendem a tornarem-se organismos amorais, perdendo sua autoridade perante filiados e apoiadores.
Os partidos políticos da modernidade contemporânea, hoje, são as grandes cadeias de comunicação. A informação, seja em rede, seja através das cadeias formais de comunicação, pode legitimar, pelo menos por certo tempo, qualquer política e qualquer liderança para promover as “reformas” que escolherem. Já são tão ou mais fortes que os partidos para determinar o “fazer” público. Não se trata de uma “maldade” ou uma atitude solerte dos jornalistas ou dos donos destes grupos. É que estas grandes cadeias são as instituições que podem realizar a mediação “total” entre os “programas” de ajuste da dívida pública para com os bancos, de um lado, e os partidos políticos fragmentados, de outro, que vêm perdendo, cada vez mais, a sua capacidade de criar hegemonias estáveis. A ascensão e queda do Berlusconi são o retrato de descartabilidade a que são submetidos, hoje, as lideranças que se conformam neste processo.
A reforma política, estabelecendo o financiamento público das campanhas, é o único antídoto à vista para esta situação crítica. Grande parte dos cronistas políticos fez nariz torcido para o apelo de Lula na Europa em anarquia financeira, pouco antes dele ter começado o seu tratamento médico. Lula fazia o apelo para que se recuperasse, perante as receitas do mercado, a força da política para buscar soluções políticas para a crise. Mas a saída foi a mesma de sempre: soluções “técnicas” que não levam em consideração a brutalidade dos seus efeitos, principalmente para os pobres de todas as raças e origens e os assalariados de baixa renda. Veremos o resultado.
(*) Governador do Rio Grande do Sul
O partido “parte”, neste contexto, também teve o contraponto do partido “todo”. Este requisita para si a representação universal, seja em nome da nacionalidade, com o nacional-chauvinismo de direita, que propõe um estado “total” para a nação; seja a partir da representação universal “classista”, com a suposta vocação do proletariado para dissolver, pela revolução, todas as classes para uma nova humanidade, num outro tipo de estado “total”. Todos os partidos - inclusive estes - também lastreados em certas leituras da cultura da modernidade, já apresentam rápidos sinais de superação.
Os verdadeiros partidos da modernidade contemporânea - ou pós-modernidade, se quiserem - não são mais exclusivamente os organismos tradicionais geradores de mandatos eleitorais. Estes perdem cada vez mais sua autenticidade programática e o seu nexo com a sua cultura e memória acumuladas. Como a orientação do “fazer” público vem migrando de forma gradual do terreno da subjetividade partidária para o espaço da objetividade economicista, há uma captura do “programa” dos partidos. Esta captura é feita pela força normativa do capital financeiro que, através das suas instituições, orienta as regras de “bronze” da economia financeira e reduz, crescentemente, a margem de opção política dos partidos.
A crise dos partidos não se origina, portanto, de “traições” de líderes políticos, mas ocorre principalmente pela redução da força constitutiva de todas as decisões na órbita da política. A política perde a capacidade de incidir sobre o já decidido no mundo das finanças, se as suas propostas não estiverem - inclusive as mais elementares - pelo menos em acordo com os caminhos oferecidos pelo poder do capital financeiro, a saber: os grandes bancos, as agências de risco, os bancos centrais.
O poder dos partidos esvazia-se e o poder do dinheiro incha. É um dinheiro falso, criado sem trabalho, mas é um poder verdadeiro, porque juridicamente apropriado por grupos, pessoas, setores sociais minoritários, que, quanto mais minoritários, mais concentram força. Estas minorias dominam, hoje, o núcleo real do capitalismo, que não está mais na produção de mercadorias, mas na produção artificial do dinheiro, configurado em supremo poder político.
Através do financiamento privado das campanhas eleitorais este poder se exacerba. Tanto sobre o mundo empresarial não dotado de bancos próprios, como sobre os partidos, que escolhem ou são coagidos a mercantilizar suas relações, para poderem sobreviver com mínima densidade eleitoral. Assim, a transformação de políticos em consultores e de consultores em políticos militantes não é, em princípio, uma questão de moralidade política. É um novo processo de formação de quadros e de reorganização programática dos partidos que, integrados nesta nova lógica, tendem a tornarem-se organismos amorais, perdendo sua autoridade perante filiados e apoiadores.
Os partidos políticos da modernidade contemporânea, hoje, são as grandes cadeias de comunicação. A informação, seja em rede, seja através das cadeias formais de comunicação, pode legitimar, pelo menos por certo tempo, qualquer política e qualquer liderança para promover as “reformas” que escolherem. Já são tão ou mais fortes que os partidos para determinar o “fazer” público. Não se trata de uma “maldade” ou uma atitude solerte dos jornalistas ou dos donos destes grupos. É que estas grandes cadeias são as instituições que podem realizar a mediação “total” entre os “programas” de ajuste da dívida pública para com os bancos, de um lado, e os partidos políticos fragmentados, de outro, que vêm perdendo, cada vez mais, a sua capacidade de criar hegemonias estáveis. A ascensão e queda do Berlusconi são o retrato de descartabilidade a que são submetidos, hoje, as lideranças que se conformam neste processo.
A reforma política, estabelecendo o financiamento público das campanhas, é o único antídoto à vista para esta situação crítica. Grande parte dos cronistas políticos fez nariz torcido para o apelo de Lula na Europa em anarquia financeira, pouco antes dele ter começado o seu tratamento médico. Lula fazia o apelo para que se recuperasse, perante as receitas do mercado, a força da política para buscar soluções políticas para a crise. Mas a saída foi a mesma de sempre: soluções “técnicas” que não levam em consideração a brutalidade dos seus efeitos, principalmente para os pobres de todas as raças e origens e os assalariados de baixa renda. Veremos o resultado.
(*) Governador do Rio Grande do Sul
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