Estão demolindo minhas preciosas utopias, nesses dias sombrios de recomeço secular.
A credulidade que eu exibia com tanto orgulho, como estandarte solitário do último dos
membros do Clube dos Otimistas, já perde seu espaço e suas cores para outras
verdades mais vigorosas. Começo a acreditar que o "Novo" realmente existe, que não
se trata de simples reedição de velhos comportamentos humanos vestidos de novas técnicas.
Mas acredite: ainda ontem pensava de forma diversa. Foi tudo muito rápido. Na boa e
velha escola onde se descortina o embate simplista entre o Belo Bem e seu eterno inimigo,
o Feioso Mal, não me ensinaram a reconhecer as situações de desmando existencial que
me são hoje impostas por todos os meios visíveis e invisíveis, num torvelinho de
decadências desatreladas de qualquer princípio prático que o homem tenha elaborado
em seus milênios de história. O começo e o fim se confundem num monte de formas escusas,
onde se perde o sentido da atitude, da reação e da consequência. Desmontam-se hábitos
seculares com uma simples frase absurda bem articulada pela mídia, criam-se pontos de
referência em lugares onde não brilha a mais tênue manifestação de conhecimento, de
amor ou de graça. O sentimento de impotência perante esta Nova Ordem é maior ainda
se medido pela incrível sensação de solidão que ela traz em seus comandos – num grau que
jamais se suspeitaria existir. Perguntará o leitor o porque do desabafo. Respondo a isso.
Tive a infeliz idéia de sintonizar meu televisor nos trejeitos de um punhado de idiotas que
convivem e se esfoiceiam por uma razoável quantia em dinheiro, num espaço
permitido na programação da maior rede de TV brasileira. O resultado é tão vil, tão
decadente, tão obsceno (e não se confunda aqui o termo "obsceno" com os deliciosos
pecadilhos do sexo aos quais estamos acostumados), que me faz visualizar em detalhes
a grande derrocada final do homem e de toda a luz que dele emana. A violência
estampada nesse formato é, talvez, maior que a das ruas. Ela nos caça em nossos espaços,
ávida de seguidores, deixando no ar a sugestão de que "agora somos todos assim" e que
tudo, sem exceção, nos é conveniente. Revestida de hipnótico oportunismo, ela penetra na
juventude e na infância, sem distinção, desvirtuando e implodindo as raízes para que
a árvore apodreça.
E por sobre a grande mentira, gordos e roliços como porcos capões, os novos senhores do
Belo Bem e do Feio Mal ronronam, babando seus copos de uísque rótulo azul, satisfeitos
consigo e com sua obra miniaturizadora de almas, cientes de que tudo se compra, tudo se
transforma com o poder do dinheiro – sobretudo num país de miseráveis como o nosso,
um país sem alternância de opções, um país de "mesmos" a impor suas vontades à choldra
estática.
Como diria Drummond: se isto é ser moderno, prefiro ser eterno.
Tavito é maestro, cantor, compositor e publicitário no Rio de Janeiro. E autor de cancões
inesquecíveis, como Casa no Campo.
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