É meritória a defesa da subordinação de toda e qualquer parte do território brasileiro às autoridades constituídas segundo as regras da democracia, ainda que o estágio e as modalidades dessa democracia possam e devam ser objeto de questionamento.
Mas há uma informação precária e uma ilusão nesse discurso, tão frequente na mídia.
Informação precária: o Estado está ausente das favelas. Não está e nunca esteve. O Estado brasileiro, historicamente:
a) usou a segregação dos descendentes de escravos, migrantes internos e pobres, de modo geral, para garantir à economia mão de obra barata, dizendo a coisa do modo mais simplificado;
b) sempre forneceu um ou outro tipo de serviço público – registro de nascimento, saúde, transporte, mais recentemente educação − a essas comunidades, ou autorizou concessionários a prestar aí serviços como distribuição de energia elétrica;
c) participa de todos os tipos conhecidos de crime organizado. Está nos jornais de sexta-feira (11/11): o traficante Nem calculou em R$ 50 milhões por ano o custo dos “arregos” com a polícia. Só para dar um salto no espaço e na estrutura estatal: militares do 2º Batalhão de Engenharia do Exército foram acusados de furto de material de construção em obras para a transposição do Rio São Francisco (denúncia do deputado Rubens Bueno, PPS-PR, no plenário da Câmara, 11/8/2011).
Ilusão: o avanço do Estado democrático permitirá que as autoridades controlem qualquer porção do território. Não acontece em nenhum país do mundo. Nem na Suécia, onde neonazistas dominam determinadas áreas.
Em Ivry-sur-Seine, subúrbio ao sul de Paris, havia nos anos 1970 um bairro chamado Le Plateau onde a polícia não entrava. Nem tentava entrar. A barra era pesada demais. Preferiam manter a coisa sob certo controle, e isso já acalmava os moradores das redondezas. Essa área hoje está muito mudada, mas há muitas municipalidades na França consideradas território hostil, em parte devido à segregação de imigrantes do Norte da África e à islamofobia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário