Muito embora as mobilizações, levantes e revoltas que temos assistido em diversas cidades do mundo nos últimos meses correspondam à luta por demandas distintas inseridas em contextos diversos, a grande maioria apareceu sob a forma de revoltas urbanas. Essa observação obriga-nos a repensar a cidade na contemporaneidade, entendendo-a como o espaço onde se materializam os mais diversos fluxos transnacionais – legais e ilegais, formais e informais, materiais e imateriais. O artigo é de Manoela Miklos e Reginaldo Nasser.
Manoela Miklos e Reginaldo Nasser
Durante meses, os levantes no mundo árabe mobilizaram a atenção do mundo. Em seguida, jovens que questionavam o regime político e econômico vigentes em seu país acamparam nas praças de Madri; as ruas de Antenas foram tornaram-se cenários de manifestações contra medidas de austeridade fiscal tomadas pelo Estado grego que terminaram em confronto violento com a polícia. Pouco tempo depois, Santiago(Chile) foi palco de marchas de estudantes insatisfeitos com reformas nas políticas educacionais. Finalmente, dias atrás, as ruas de Londres e cidades próximas foram tomadas por cidadãos em fúria.
Muitos têm se esforçado para encontrar pontos comuns que aproximem cada um desses casos, inserindo-os dentro de um mesmo processo de revoltas populares. No entanto, uma análise superficial das demandas expressadas pelos diferentes grupos sociais que protagonizaram tais eventos não nos permite avançar muito na compreensão deste conjunto de episódios, suas origens e conseqüências. Em princípio, temos, de um lado, cidadãos de Estados democráticos insatisfeitos diante de políticas de austeridade fiscal que se traduzem no corte de gastos e no estabelecimento de novas prioridades. A reprovação de tais medidas resultou em protestos na Inglaterra, Espanha, Grécia e Chile. De outro lado, temos cidadãos que vivendo sob regimes autocráticos, decidiram tomar as ruas para responsabilizar seus governantes, invocando justiça, transparência, liberdade e democracia como foram as revoltas árabes.
Entendemos que a chave para a compreensão das tendências que fazem de cada um destes episódios parte de um mesmo processo não está nas reivindicações que mobilizam cidadãos em cada um destes contextos distintos, mas para os espaços sociais em que tais mobilizações ocorreram, isto é, grande centros urbanos.
Teses veiculadas pelos meios de comunicação e analistas internacionais insistiam em construir explicações sobre as cauas da revolta árabe em épocas remotas, povoadas por personagens exóticas. Relatos de territórios predominantemente rurais, pequenas vilas e, em especial para o caso líbio, habitados por tribos foram divulgados à exaustão. Relatório da United Nations-HABITAT, divulgado em 2010, afirma que aproximadamente 50% da população síria vive nas cidades. Proporção semelhante é verificada no caso egípcio, sendo que na grande Cairo residem quase 18 milhões de pessoas, o equivalente a 25% da população do país. Quanto à Tunísia, aproximadamente 70% da população vivem nas cidades. Os dados para o caso líbio são ainda mais contundentes: aproximadamente 80% da população Líbia vive nas cidades. Portanto, as revoltas não ocorreram no Egito, mas na grande Cairo, em Alexandria, em Suez. Não ocorreram na Líbia, Síria ou na Tunísia, mas em Bengasi, Tripoli, Damasco, Alepo, Homs, Tunes.
Muito embora as mobilizações, levantes e revoltas citadas acima correspondam à luta por demandas distintas inseridas em contextos diversos, a grande maioria apareceu sob a forma de revoltas urbanas. Essa observação obriga-nos a repensar a cidade na contemporaneidade, entendendo-a como o espaço onde se materializam os mais diversos fluxos transnacionais – legais e ilegais, formais e informais, materiais e imateriais.
Tratam-se, por exemplo, de fluxos financeiros, dos fluxos do tráfico internacional de drogas, armas e pessoas, bem como dos fluxos de idéias e ideologias que transcendem as fronteiras dos Estados nacionais e, nas cidades, se manifestam concretamente. Ganham rostos, nomes, personificam-se. Noutras palavras, a intensificação dos fenômenos de transnacionalização e os demais processos de globalização imprimiram novos contornos ao mundo contemporâneo proporcionando novas dinâmicas às relações internacionais. Neste contexto, as cidades emergem como espaço onde os desafios da governança global ganham concretude. Como disse Sophie Body-Gendrot em artigo para o site Open Democracy, nas cidades é onde se revelam as novas centralidades e marginalidades contemporâneas e inauguram-se uma infinidade de novas potencialidades de conflito.
Este cenário torna-se ainda mais complexo uma vez que a cidade - por seus atributos físicos, demográficos, tecnológico e simbólicos - confere poder ao vulnerável, ao desprovido de poder. Mobilizações em grandes centros urbanos representam, enfim, desafios ao poder do Estado e suas tradicionais práticas coercitivas.
Quando a chamada primavera árabe era ainda novidade, a expressão “rua árabe” foi recuperada e empregada à exaustão. No entanto, talvez seja o caso de se pensar numa “rua global”, como preconiza a socióloga Saskia Sassen, que atravessa os grandes centros urbanos e une a Praça Tahrir, a Plaza Mayor, as ruas de Londres, Birmingham, Liverpool, Nottingham e Bristol. E por que não a Praça da Sé e Cinelândia?
Muitos têm se esforçado para encontrar pontos comuns que aproximem cada um desses casos, inserindo-os dentro de um mesmo processo de revoltas populares. No entanto, uma análise superficial das demandas expressadas pelos diferentes grupos sociais que protagonizaram tais eventos não nos permite avançar muito na compreensão deste conjunto de episódios, suas origens e conseqüências. Em princípio, temos, de um lado, cidadãos de Estados democráticos insatisfeitos diante de políticas de austeridade fiscal que se traduzem no corte de gastos e no estabelecimento de novas prioridades. A reprovação de tais medidas resultou em protestos na Inglaterra, Espanha, Grécia e Chile. De outro lado, temos cidadãos que vivendo sob regimes autocráticos, decidiram tomar as ruas para responsabilizar seus governantes, invocando justiça, transparência, liberdade e democracia como foram as revoltas árabes.
Entendemos que a chave para a compreensão das tendências que fazem de cada um destes episódios parte de um mesmo processo não está nas reivindicações que mobilizam cidadãos em cada um destes contextos distintos, mas para os espaços sociais em que tais mobilizações ocorreram, isto é, grande centros urbanos.
Teses veiculadas pelos meios de comunicação e analistas internacionais insistiam em construir explicações sobre as cauas da revolta árabe em épocas remotas, povoadas por personagens exóticas. Relatos de territórios predominantemente rurais, pequenas vilas e, em especial para o caso líbio, habitados por tribos foram divulgados à exaustão. Relatório da United Nations-HABITAT, divulgado em 2010, afirma que aproximadamente 50% da população síria vive nas cidades. Proporção semelhante é verificada no caso egípcio, sendo que na grande Cairo residem quase 18 milhões de pessoas, o equivalente a 25% da população do país. Quanto à Tunísia, aproximadamente 70% da população vivem nas cidades. Os dados para o caso líbio são ainda mais contundentes: aproximadamente 80% da população Líbia vive nas cidades. Portanto, as revoltas não ocorreram no Egito, mas na grande Cairo, em Alexandria, em Suez. Não ocorreram na Líbia, Síria ou na Tunísia, mas em Bengasi, Tripoli, Damasco, Alepo, Homs, Tunes.
Muito embora as mobilizações, levantes e revoltas citadas acima correspondam à luta por demandas distintas inseridas em contextos diversos, a grande maioria apareceu sob a forma de revoltas urbanas. Essa observação obriga-nos a repensar a cidade na contemporaneidade, entendendo-a como o espaço onde se materializam os mais diversos fluxos transnacionais – legais e ilegais, formais e informais, materiais e imateriais.
Tratam-se, por exemplo, de fluxos financeiros, dos fluxos do tráfico internacional de drogas, armas e pessoas, bem como dos fluxos de idéias e ideologias que transcendem as fronteiras dos Estados nacionais e, nas cidades, se manifestam concretamente. Ganham rostos, nomes, personificam-se. Noutras palavras, a intensificação dos fenômenos de transnacionalização e os demais processos de globalização imprimiram novos contornos ao mundo contemporâneo proporcionando novas dinâmicas às relações internacionais. Neste contexto, as cidades emergem como espaço onde os desafios da governança global ganham concretude. Como disse Sophie Body-Gendrot em artigo para o site Open Democracy, nas cidades é onde se revelam as novas centralidades e marginalidades contemporâneas e inauguram-se uma infinidade de novas potencialidades de conflito.
Este cenário torna-se ainda mais complexo uma vez que a cidade - por seus atributos físicos, demográficos, tecnológico e simbólicos - confere poder ao vulnerável, ao desprovido de poder. Mobilizações em grandes centros urbanos representam, enfim, desafios ao poder do Estado e suas tradicionais práticas coercitivas.
Quando a chamada primavera árabe era ainda novidade, a expressão “rua árabe” foi recuperada e empregada à exaustão. No entanto, talvez seja o caso de se pensar numa “rua global”, como preconiza a socióloga Saskia Sassen, que atravessa os grandes centros urbanos e une a Praça Tahrir, a Plaza Mayor, as ruas de Londres, Birmingham, Liverpool, Nottingham e Bristol. E por que não a Praça da Sé e Cinelândia?
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