Jaime Sautchuk *
 Causou estranheza o estardalhaço feito pela Rede Globo, suas emissoras de rádio, jornais, revistas e páginas na internet do chamado sistema Globo sobre sua linha editorial “independente”, na semana passada.
Causou estranheza o estardalhaço feito pela Rede Globo, suas emissoras de rádio, jornais, revistas e páginas na internet do chamado sistema Globo sobre sua linha editorial “independente”, na semana passada.O extemporâneo documento tinha, porém, bons motivos por parte davênus platinada. Circulavam na internet notas com notícias vazadas da Globo sobre a própria Globo, mais propriamente sobre o jornalismo praticado pelos órgãos de comunicação da família Marinho.
Esse jeito de fazer jornalismo é corriqueiro na casa, mas este caso chamou mais atenção. Foi uma ordem da direção global para que seus jornalistas providenciassem matérias contra a indicação do embaixador Celso Amorim para o cargo de ministro da Defesa.
A pauta elaborada pela direção de jornalismo do grupo era de criar matérias dando conta de que a indicação de Amorim estaria causando reação nos meios militares. As matérias teriam que dizer que Amorim não era bem-visto nas casernas e que isto traria problema à presidente Dilma Rousseff.
É o estilo do Dr. Godinho, personagem de Eça de Queiroz, como dono de jornal, no romance O Crime do Padre Amaro, quejá citei aqui em outra ocasião. Ferrenho anticlerical, ele determinava: “contra o clero, havendo denúncias, publiquemo-las; não havendo, inventemo-las”.
O mais grave, entretanto, é que o caso da Globo não é apenas com Celso Amorim. É com toda uma ala do Itamaraty, muito forte no Instituto Rio Branco, que forma nossos diplomatas, que defende a chamada política externa independente. A vênus prefere os que seguem os ditames de Washington.
Mesmo durante a ditadura militar, fielmente apoiada pelo sistema Globo, houve certos estremecimentos nesse campo. O principal foi durante o governo do general Ernesto Geisel (1974/79), em que o ministro das Relações Exteriores era Azeredo na Silveira.
Silveira deu corda toda ao embaixador Ítalo Zappa, então chefe do Departamento da África do Itamaraty, que implantou a chamada política pan-africana. Era a simples aproximação com aquele continente, com ações práticas.
O Brasil foi, por exemplo, o primeiro país a reconhecer a independência de Angola. E apoiava os movimentos anti-apartheid na África do Sul e na antiga Rodésia. Zappa foi, também, o principal promotor da aproximação brasileira com a Ásia, em especial com a China.
A Globo ficava tiririca, pois, afinal, apoiou os mais de vinte golpes de estado promovidos pelos EUA e aliados europeus na África, nas décadas de 1960 e 70. E apoiava a invasão estadunidense do Vietnã, que Zappa levou o Itamaraty a uma postura equidistante e, depois, de reconhecimento do governo socialista daquele país.
A política externa dos governos de Luis Inácio Lula da Silva mudou o rumo das coisas nesse campo. A diversificação de parceiros comerciais desatrelou por completo o Brasil dos EUA. E a postura política, em especial na Ásia, Norte da África e Oriente Médio deu ao Brasil um lugar de destaque na diplomacia mundial.
Quem abriu essas portas, quem devolveu o norte soberano à nossa diplomacia foi Celso Amorim. Há analistas mundo afora que dizem, inclusive, que se não fosse a aproximação de Brasília com Teerã, muito provavelmente o Irã já teria sido invadido, como o Iraque e o Afeganistão.
O documento divulgado pela Globo revela que o grupo maioral da comunicação social brasileira percebeu que não é mais soberano. Além de outros grupos fortes, a rede de internautas também adquiriu força capaz de fazer os arautos do Jardim Botânico virem se explicar de público.
Mas, se o sistema Globo já percebeu essa mudança, talvez não tenha percebido outras, de igual relevância. Uma delas, a mais importante no caso, é a de que também os militares brasileiros não são mais os mesmos. Nas três forças armadas do Brasil de hoje, soberania nacional é palavra de ordem. E Celso Amorim é sinônimo dessa postura.
Mais do que isso, a experiência do novo ministro da Defesa no campo militar é enorme. Afinal, o tema é parte inerente às relações internacionais. Nem o Itamaraty, nem os comandos militares vêem com bons olhos, por exemplo, a presença de tropas dos EUA na Colômbia, bisbilhotando as fronteiras daquele país com a Venezuela, Peru e Brasil.
Uma das reivindicações primordiais do Exército, Marinha e Aeronáutica é de que o governo de Dilma siga firme no reequipamento das forças armadas, com foco especial nas áreas de fronteiras. E esse foi tema do discurso de posse de Amorim no ministério.
Quanto à Globo, fica só comprovado, uma vez mais, que dali não sai muita lição de bom jornalismo.
 
 

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