quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Área de consumo do crack em São Paulo vira bode expiatório em ano eleitoral



Área de consumo do crack em São Paulo vira bode expiatório em ano eleitoral
Para cientista político, dispersão de usuários dificulta atendimento a dependentes
Publicado em 10/01/2012, 18:05

São Paulo – Entre abordagens violentas e a ausência de políticas de saúde, usuários de crack que circulam pelas áreas do centro da cidade de São Paulo tornam-se "bodes expiatórios" em ano de eleições municipais, avalia o cientista político Frederico de Almeida, coordenador de Graduação de Direito na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e professor de Ciência Política da Universidade São Judas Tadeu. Para ele, a dispersão dessas pessoas torna ainda mais difícil uma abordagem adequada do ponto de vista da saúde pública e do atendimento à situação de dependência da droga.
Na primeira semana de 2012, a prefeitura paulistana e o governo do estado desencadearam um conjunto de ações nas ruas da Luz, Campos Elíseos e Bom Retiro, batizado como Ação Integrada Centro Legal, ou Operação Sufoco.
A aposta dos governos, segundo o especialista, seria proporcionar sensação de conforto para a população paulista à medida que se avança ano eleitoral adentro. Para Almeida, à melhora da situação econômica dos últimos anos somaria-se a uma sensação maior de segurança. 
A ação integrada foi criada em 2009. Segundo a Polícia Militar, tem objetivo de "resgatar as pessoas em estado de vulnerabilidade, combater o tráfico e criar um ambiente propício para as ações sociais".  O problema, observa Almeida, é que a medida acabou não passando de maquiagem, já que não ofereceu até agora perspectivas de solução para os aspectos social e de saúde pública.
De acordo com dados da PM de São Paulo, somente na última segunda-feira (9) foram efetuadas 1.894 abordagens policiais, entre revistas e outros tipos de ação, que acabaram em 23 prisões, nove encaminhamentos para hospitais e 601 intervenções de agentes de saúde.
Na prática, a opção feita pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) e pelo prefeito Gilberto Kassab (PSD) é perigosa, diz o cientista político. "Traçar um programa com base na repressão e na violência diante de um problema claramente de saúde pública me parece uma insensatez", observa Almeida. Para ele, a intervenção ganhou contornos de ação "higienista", de limpeza social.

Contrastes

A forma de abordagem na capital paulista contrasta com a adotada na ação conjunta proposta pela governo federal. Estão previstas no Plano de Enfrentamento ao Crack, iniciativa conjunta dos ministérios da Saúde, Educação e Justiça, anunciado em dezembro, a ampliação no atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS) e a criação de unidades fixas e móveis de acolhimento, a fim de diagnosticar caso a caso os perfis dos viciados para tratamento especializado.
"(Os tratamentos) são antagonistas", avalia Almeida. "O que pode ter ocorrido é que as administrações tenham colocado sua estratégia na frente de forma a mostrar que existe uma solução, e que a situação é esta (repressiva)", acrescenta.
Os dependentes do crack, que perambulam pelos bairros da região da Luz e se escondem da investida dos policiais,denunciam diariamente na imprensa a truculência vinda também da Guarda Civil Municipal (GCM). "A maneira como a polícia tem espalhado os viciados é chocante, à base de bomba de gás e bala de borracha", lamenta Almeida. O cientista político pensa que essas ações retiram a legitimidade da discussão do que será feito no âmbito do programa federal no centro da cidade.
O trabalho com os dependentes químicos é demorado, porque envolve a formação de vínculos dos profissionais de saúde e assistentes sociais com os usuários. Para quem trabalha com a questão, é necessário entender de onde as pessoas vieram e para onde podem ir, até porque a  internação pode não ser o recurso mais indicado e o auxílio da família, embora considerado essencial, nem sempre é acessível. "A partir do momento que se dispersa os usuários (por outros bairros), torna-se impossível a inserção de uma política de saúde adequada”, diz.
Em São Paulo, alguns dependentes são encaminhados de imediato para unidades de Assistência Médica Ambulatorial (AMA), em que geralmente não conseguem vagas por falta de leitos. Os locais funcionam em horário comercial, e fecham às 19h, arrastando de volta às ruas do centro os dependentes que conseguiram ou não o tratamento. Ao voltar ao círculo repressivo, eles afastam-se ainda mais do tratamento.

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