domingo, 29 de janeiro de 2012

Cesare Battisti além das lentes da mídia grande


Cesare Battisti e a senhora Maria de Lourdes Negreiro de Paula do movimento Crítica Radical
Por Caio Amorim e Mariana Gomes / Fotos: Caio Amorim
Após a mudança de local e horário do debate, finalmente chegamos ao Edifício da Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul  (UFRGS), universidade onde estão ocorrendo diversas atividades do Forum Social Temático. No saguão em frente ao Auditório, onde seria realizado o debate, encontramos Cesare Battisti dando entrevista para diversas mídias comerciais, que admiradoras do esporte de criminalizá-lo – como fazem com todos que lutam por justiça social –, não perderam o hábito e já colocaram a cobertura deste debate em seus portais criticando o escritor italiano. O escritor e militante italiano veio à Porto Alegre para fazer o pré-lançamento de seu livro “Ao pé do muro”, inspirado no período em que esteve preso no Brasil. O romance é a última obra da trilogia que conta com “Minha fuga sem fim” e “Ser bambu”. ” Após muita agitação da mídia e algumas entrevistas, aos poucos, o auditório vai ficando lotado, e após cerca de 15 minutos de espera, com Cesare sentado na mesa, ouve-se um som inusitado vindo do mesmo saguão.
Era uma marchinha em homenagem a Battisti cantada a plenos pulmões pelos integrantes do movimento Crítica Radical, do Ceará, que lutou pela liberdade do militante. Uma vigorosa senhora de 81 anos, integrante do movimento cearense, Maria de Lourdes Negreiro de Paula, chega animada e com a frase escrita em seu sombreiro, “Saindo do Capitalismo”, saúda Cesare, que emocionado com a homenagem arrisca uns passos de dança com a senhora. Após a festa, finalmente inicia-se o debate organizado pelo Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro (SINDIPETRO-RJ).
Battisti dança com Maria de Lourdes
Francisco Soriano, diretor do SINDIPETRO, abre o debate se dizendo muito orgulhoso de ter financiado a vinda de Battisti ao Forum, já antevendo qualquer crítica que possa surgir da mídia grande. “Isso é dever, nós lutamos por direitos humanos e por todas as causas justas de todos os povos, somos nacionalistas e internacionalistas, somos iguais a todos os povos oprimidos, onde houver injustiça, estamos juntos”  – disse Soriano. O dirigente sindical que já foi preso político na ditadura civil-militar brasileira (1964-1985) lembrou que quando foi solto, foi recebido com muita festa e entusiasmo e que queria fazer o mesmo com Cesare, libertado pelo STF em julho de 2011.
Da esquerda para a direita: Rosa da Fonseca, Francisco Soriano, Cesare Battisti e Carlos Alberto Lungarzo
Após a fala de Soriano, foi a vez do professor-titular da UNICAMP, o argentino Carlos Alberto Lungarzo, fazer sua intervenção. Lungarzo ajudou a fundar diversas seções da Anistia Internacional e hoje é membro da seção da entidade nos EUA, apesar de morar em São Paulo. Amigo do ativista italiano, ele se disse admirador de literatura e da obra de Cesare, que segundo ele é um cientista no plano profissional e um lutador por direitos humanos no plano pessoal. Questionou também o tratamento dado pela mídia hegemônica no caso Battisti, que teve idas e vindas na justiça brasileira, mas sempre teve o escritor tratado como criminoso pelas reportagens. “Luto por direitos humanos há mais de 45 anos e nunca tinha visto tamanha onda de calúnias e tanta canalhice, incitação à violência. Nunca chamaram Cesare Batitsti pela sua profissão, que é escritor, e sim de terrorista, esquecendo ou ignorando completamente o significado da palavra terrorista.” – criticou Lungarzo.
Em seguida, a militante do movimento Crítica Radical do Ceará, Rosa Da Fonseca discorreu sobre como foi a luta em torno da libertação de Cesare Battisti. O movimento do qual faz parte se posicionou frente a Lula, presidente da república à época, na Conferência de Direitos Humanos em 2009, exigindo que o militante não fosse extradita para a Itália. Após sua libertação no Brasil, em julho de 2011, Rosa contou que o movimento comemorou o primeiro aniversário de Cesare em liberdade, em 18 de dezembro do mesmo ano.  Rosa finalizou emocionada: “Nos entendemos que Cesare une o passado, o presente e o futuro. A luta que fizemos desde a ditadura militar ainda não foi concluída. Sua liberdade é a liberdade de todos nós, contra a criminalização dos movimentos sociais que lutam para construir uma alternativa ao capitalismo.”
Finalmente, foi a vez da fala de Cesare, que começou agradecendo a solidariedade de todos os movimentos sociais que lutaram por sua libertação e se sentindo “tão longe da sua terra, mas tão perto da solidariedade do povo brasileiro”. Dizendo ter dificuldade para descrever sua própria obra, ele se definiu como alguém que escreve com o coração e trabalha para que seus livros sejam capazes de mudar algo em quem os lê, pois se não tiver esse papel, é só um produto, um bem de consumo, e não literatura.
Escritor há 25 anos, reclama de ter sido jogado no passado devido às polêmicas envolvendo prisões, condenações e trâmites na justiça. “Eu não sou a pessoa que foi apresentada pela grande mídia tendenciosa, às vezes até por ignorância. Eu não sou isso, sou escritor, e faço atividades sociais, fiz muito na França, por exemplo.” – contou o escritor, que atualmente mora no Rio e revelou estar organizando um projeto social em três favelas cariocas: Cidade de Deus (na zona oeste da cidade), Pavão-Pavãozinho e Tabajaras, ambas em Copacabana, zona sul da capital fluminense.
A exemplo de Nelson Mandela, Battisti também é da opinião de que só se conhece um país, quando se conhece suas prisões. Conhecendo a prisão brasileira, ele teve acesso a depoimentos de pessoas e emoções que o inspiraram como escritor. “O que faço é denunciar o que vejo no mundo. As histórias são fictícias, mas os sentimentos são reais, as injustiças são reais. Não me interessa saber quem é o culpado, mas sim o que levou a pessoa a cometer o ato. A realidade é dura demais, e quem escreve sobre fatos reais, ninguém quer acreditar que essas coisas acontecem. A melhor forma de fazer alguém se atentar a alguma história, é transforma-la em ficção para denunciar uma situação real.” – finalizou Battisti.
Ao término da atividade, os militantes presentes no auditório deixaram os corações revolucionários falarem mais alto e cantaram “liberdade, liberdade, abra as asas sobre nós, e que a voz da igualdade, seja sempre a nossa voz”,  em seguida foi cantada com muita alegria, a marchinha em homenagem a Cesare Battisti composta pelos integrantes do movimento Crítica Radical que anunciaram que vão colocar novamente o bloco na rua no carnaval de Fortaleza desse ano.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...