quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Mídia domesticada aceita censura no Pinheirinho sem reclamar


Desde o último domingo, pessoas que residem no Pinheirinho vêm me enviando mensagens privadas pelas redes sociais, por e-mail e via comentários aqui no blog. Tais mensagens contêm relatos de violências indiscriminadas que a Polícia Militar estaria praticando em sua operação de “reintegração de posse”.
Infelizmente, nenhuma dessas pessoas aceitou se manifestar publicamente ou ter seu nome divulgado. Sem isso e sem informações objetivas sobre quem são as vítimas fatais e não-fatais da operação de “reintegração de posse” do último domingo, torna-se impossível ajudar.
Todavia, conversa por telefone com um morador de São José dos Campos pode servir ao menos para indicar o caminho que deve ser tomado para se chegar à verdade, pois as denúncias sobre mortos e feridos graves só fazem aumentar.
Basicamente, o que me foi dito é que haveria “milhares” de testemunhas de ataques a bala e espancamentos, alguns dos quais com resultados fatais.
Perguntada por mim sobre como é possível que tanta gente tenha visto tudo isso e que não apareça ninguém que diga quem são as vítimas, a fonte diz que quem viu o que aconteceu ou até quem foi vitimado não fala sobre o assunto porque a PM estaria ameaçando quem “vazar” alguma coisa.
É evidente que pode se tratar de alguém que esteja querendo pressionar o governo do Estado e a própria polícia a terem mais cuidado com a operação, já que casos de violência excessiva já se tornaram públicos até em vídeos, porém sem conter nenhuma prova de que algum ataque tenha ocorrido por outros meios que não sejam uso de gás e de balas de borracha.
Contudo, imagens de policiais militares usando luvas de borracha e empunhando pistolas também já se espalharam, o que sugere que podem ser pistolas letais, pois é claro que empunhá-las com as mãos enluvadas só se justifica se for para não deixar impressões digitais nas armas ou resíduo de pólvora nas mãos.
Há até relatos em áudio feitos por testemunhas que viram pessoas gravemente feridas (algumas seriam crianças) dando entrada em hospitais de São José dos Campos, mas nada de nomes.
É impossível receber esses relatos e não reproduzir nada. Até por conta da falta de transparência do governo do Estado comprovada por matérias em sites e portais da grande mídia que afirmam que a PM está impedindo o livre acesso dos jornalistas aos acampamentos de despejados ou ao IML, por exemplo.
A polícia diz que está impondo censura para impedir comoção e levantes da população que poderiam ocorrer devido à presença de jornalistas, o que é uma barbaridade. O Brasil não está em guerra e o trabalho da imprensa é crucial para dirimir as dúvidas sobre se ocorreram ou não assassinatos, espancamentos e outras formas de abuso.
Segundo a minha fonte, apenas a Globo consegue alguns privilégios de acesso às áreas censuradas por ser considerada “confiável” pela PM. Como essa emissora adotou uma postura de defesa aberta de um lado e de supressão das denúncias do outro, a situação se torna ainda mais obscura.
A passividade da grande imprensa diante da postura do governo de São Paulo de não lhe permitir acesso livre à região, é incrível. Não se entende esses órgãos de imprensa aceitarem que a Polícia conduza seus repórteres só aonde ela quer, como se estivessem em uma excursão. Justo a grande imprensa, que vive falando em “censura”.
Nesse quadro, é lícito espalhar as notícias sobre mortos e feridos graves, ainda que sempre no condicional. Tanto é lícito que artigo publicado no diário britânico The Guardian noticiou as denúncias de mortes nessa operação específica da Polícia Militar de São Paulo, exatamente como vem fazendo este blog. O texto no jornal inglês, aliás, deu informações que o Jornal Nacional escondeu e ainda criticou a grande mídia brasileira.
Veja tradução livre que fiz de trechos do artigo do The Guardian:
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(…) Até sete mortes foram relatadas, incluindo a de um bebê, embora nenhuma delas tenha sido confirmada oficialmente (…) Durante todo o dia [ domingo], a mídia corporativa do Brasil, que tem ligações históricas com o partido no poder estadual, relatou a história em tons suaves. As manchetes destacavam a van de uma TV que fora incendiada enquanto ignoravam as casas em chamas da população (…) Em lugares como Irã e Egito, a mídia social tem funcionado como uma ferramenta contra o controle estatal da informação. No Brasil, tem ajudado a contornar um monolítico setor de mídia privada, que é sub-regulamentada e altamente concentrada (90% da indústria está nas mãos de 15 famílias). Como outros meios de produção e circulação de informação tornaram-se mais facilmente disponíveis, a mídia corporativa do país começou a perder credibilidade. Os meios alternativos foram veementes em sua condenação do Governo do Estado de São Paulo no último domingo, e com razão (…)
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A única forma de se saber a verdade e de acabar com as especulações, portanto, é o governo do Estado de São Paulo suspender imediatamente a censura que mandou a sua polícia impor e passar a garantir o livre acesso de juristas, imprensa, parlamentares etc. a qualquer parte daquela localidade, sem exceções.
Além disso, o governador Geraldo Alckmin tem obrigação de ir ao Pinheirinho, diante da imprensa, ouvir comissões de moradores e  garantir proteção a quem aceite formalizar denúncias concretas. Essa, aliás, é a condição da minha fonte para se identificar. E diz que também é a condição das famílias das vítimas fatais.
Na falta do governador do Estado de São Paulo, se for o caso, poderia ser formada uma comissão de alto nível integrada por juristas, políticos, jornalistas, religiosos, movimentos sociais e sindicatos. Essa comissão se instalaria na região ininterruptamente a fim de acompanhar a “reintegração de posse”. Mas Alckmin teria que dar permissão…
Para finalizar, quero enviar um recado a quem estiver no Pinheirinho e dispuser de algum dado concreto sobre vítimas e abusos – e quando digo dado concreto, é relato de casos contendo dia, hora, lugar e, sobretudo, nomes. Qualquer informação que quiserem me passar, só será divulgada com a anuência do informante.
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Novo vídeo do Massacre do Pinheirinho
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Vídeo de agressão imotivada de policiais

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Leia a íntegra do artigo publicado no jornal The Guardian
Via blog do Sociólogo Ruda Ricci
A luta contra o despejo do Brasil Pinheirinho pode ser uma inspiração
guardian.co.uk , Terça-feira 24 de janeiro de 2012 GMT 15,23
A fotografia se espalhou pelo mundo rapidamente: mostra os moradores do Pinheirinho, favela no estado de São Paulo, vestindo capacetes, escudos e barricadas para resistir a uma ordem de despejo. (…)
Pinheirinho foi ocupado por oito anos, sem nenhum esforço do governo para regularizar a área ou desenvolver uma infra-estrutura adequada. Lar de cerca de 6.000 pessoas, a terra pertence a um fraudador do  mercado financeiro, preso em 2008. Estimulado pelo boom imobiliário do Brasil, a administração local tornou-se recentemente ativo na prossecução do despejo, com a cumplicidade de juízes que pareciam querer que isso acontecesse o mais rápido possível.
Depois da primeira imagem do despejo ser divulgada, o governo federal prometeu intervir através da compra de terra e devolvê-la para os ocupantes. Pelos fundamentos expostos, um juiz federal suspendeu o despejo, apenas para ser rapidamente anulado por um outro, que declarou ser uma questão de estado. O Poder Judiciário estadual, em seguida, agiu rápido antes que os advogados dos favelados ‘ pudessem reagir. No domingo, as redes sociais estavam zumbindo com relatos de guerra, como cenas de brutalidade e contos, incluindo a proibição da mídia e bloqueio de celular na área, além de rumores da possível detenção de um deputado federal e um senador que tentaram intervir (mais tarde foi esclarecido que não foram detidos, mas estavam num local fechado, tentando negociar). Até sete mortes foram relatadas, incluindo um bebê, embora nenhum deles confirmado oficialmente até o momento.
Foi principalmente graças aos meios de comunicação social que informações sobre os despejos pôde ser encontrado. No Twitter, a hashtag # Pinheirinho se tornou um top durante um par de horas. Durante todo o dia, a mídia corporativa do Brasil, que tem ligações históricas ao partido no poder [em SP], tanto em nível estadual e local, relatou a história em tons suaves: manchetes destacando uma van incendiada enquanto relevava as casas das pessoas em chamas.
Em lugares como Irã e Egito, a mídia social tem funcionado como uma ferramenta contra o controle estatal da informação. No Brasil, tem ajudado a contornar um monolítico setor de mídia privada, que é sub-regulamentada e altamente concentrada (90% da indústria está nas mãos de 15 famílias). Como outros meios de produção e circulação de informação tornou-se mais facilmente disponíveis, a mídia corporativa do país começou a perder credibilidade. Os meios alternativos foram veementes em sua condenação do Governo do Estado de São Paulo no último domingo, e com razão. Mas em outra parte da esquerda política há indícios de dissimulação.
O quadro mais amplo por trás da história Pinheirinho é boom econômico do Brasil, em que a construção e a propriedade estão jogando um papel crescente. Este processo foi acelerado pelo Brasil ser escolhido como sede da Copa de 2014 e Olimpíadas de 2016. Um dossiê produzido pela Coordenação Nacional de Comitês Mundial estima que cerca de 170.000 pessoas em todo o país serão expulsas devido à eventos esportivos (os números oficiais nunca foram anunciados). Em última análise, significa o estado entregando áreas públicas – aquelas ocupadss pelos pobres -, enquanto contribuintes bancam todo o processo. Talvez o pior caso até agora tenha sido no Rio , onde os despejos têm sido tão autoritários e unilaterais como a do Pinheirinho, espetacularmente militarizados. Em comparação, as vozes na esquerda têm sido muito mais baixas para denunciar isso.
O desenvolvimentismo que caracteriza o governo de esquerda Rousseff, com sua ênfase no crescimento econômico e indicadores quantitativos em vez de participação proteção ambiental e redistribuição da riqueza, encontra-se em um impasse político. Muitos na esquerda têm encontrado dificuldade para articular uma crítica desses processos. Há agitações que sugerem que isso pode estar mudando, como as campanhas recentes contra a Petrobrás (empresa estatal de petróleo), Vale do Rio Doce (mineração) e construção da usina hidrelétrica de Belo Monte. Eles são pequenos sinais, até agora ainda um pouco isolados, mas pode ser o começo de algo. Se assim for, Pinheirinho poderia revelar-se uma lição, uma acusação e uma inspiração.

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