publicado em 22 de outubro de 2012 às 13:50 - por Ramatis Jacino
Publicado no Peril do face do companheiro Nadir Cardozo dos Santos.
"Negros que escravizam e vendem negros na África,
não são meus irmãos -Negros senhores na América a serviço do capital, não são
meus irmãos- Negros opressores, em qualquer parte do mundo, não são meus
irmãos"... Solano Trindade.
O racismo, adotado pelas oligarquias brasileiras para justificar a exclusão dos negros no período de transição do modo de produção escravista para o modo de produção capitalista, foi introjetado pelos trabalhadores europeus e seus descendentes, que aqui aportaram beneficiados pelo projeto de branqueamento da população brasileira, gestado por aquelas elites. Impediu-se, assim, alianças do proletariado europeu com os históricos produtores da riqueza nacional, mantendo-os com ações e organizações paralelas, sem diálogos e estratégias de combate ao inimigo comum. Contudo, não há como negar que o conjunto de organizações sindicais, populares e partidárias, além das elaborações teóricas classificadas como “de esquerda”, sejam aliadas naturais dos homens e mulheres negros, na sua luta contra o racismo, a discriminação e a marginalização a que foram relegados. No campo oposto do espectro ideológico e social, as organizações patronais, seus partidos políticos e as teorias que defendem a exploração do homem pelo homem, que classificamos de “direita”, se baseiam na manutenção de uma sociedade estamental e na justificativa da escravidão negra, como decorrência “natural” da relação estabelecida entre os “civilizados e culturalmente superiores europeus” e os “selvagens africanos”. É equivocada, portanto, a frase de uma brilhante e respeitada filósofa negra paulistana de que “entre direita e esquerda, eu sou preta”, uma vez que coloca no mesmo patamar os interesses de quem pretende concentrar a riqueza e poder e àqueles que sonham em distribuí-la e democratizá-la. Afirmação esta, que pressupõe alienação da população negra em relação às disputas políticas e ideológicas, como se suas demandas tivessem uma singularidade tal que estariam à margem das concepções econômicas, de organização social, políticas e culturais, que os conceitos de direita e esquerda carregam.
O racismo, adotado pelas oligarquias brasileiras para justificar a exclusão dos negros no período de transição do modo de produção escravista para o modo de produção capitalista, foi introjetado pelos trabalhadores europeus e seus descendentes, que aqui aportaram beneficiados pelo projeto de branqueamento da população brasileira, gestado por aquelas elites. Impediu-se, assim, alianças do proletariado europeu com os históricos produtores da riqueza nacional, mantendo-os com ações e organizações paralelas, sem diálogos e estratégias de combate ao inimigo comum. Contudo, não há como negar que o conjunto de organizações sindicais, populares e partidárias, além das elaborações teóricas classificadas como “de esquerda”, sejam aliadas naturais dos homens e mulheres negros, na sua luta contra o racismo, a discriminação e a marginalização a que foram relegados. No campo oposto do espectro ideológico e social, as organizações patronais, seus partidos políticos e as teorias que defendem a exploração do homem pelo homem, que classificamos de “direita”, se baseiam na manutenção de uma sociedade estamental e na justificativa da escravidão negra, como decorrência “natural” da relação estabelecida entre os “civilizados e culturalmente superiores europeus” e os “selvagens africanos”. É equivocada, portanto, a frase de uma brilhante e respeitada filósofa negra paulistana de que “entre direita e esquerda, eu sou preta”, uma vez que coloca no mesmo patamar os interesses de quem pretende concentrar a riqueza e poder e àqueles que sonham em distribuí-la e democratizá-la. Afirmação esta, que pressupõe alienação da população negra em relação às disputas políticas e ideológicas, como se suas demandas tivessem uma singularidade tal que estariam à margem das concepções econômicas, de organização social, políticas e culturais, que os conceitos de direita e esquerda carregam.
As elites brasileiras sempre utilizaram indivíduos
ou grupos, oriundos dos segmentos oprimidos para reprimir os demais e mantê-los
sob controle. Capitães de mato negros que caçavam seus irmãos fugidos,
capoeiristas pagos para atacarem terreiros de candomblé, incorporação de grande
quantidade de jovens negros nas polícias e forças armadas, convocação para
combater rebeliões, como a de Canudos e Contestado, são exemplos da utilização
de negros contra negros ao longo da nossa história. Havia entre eles quem acreditasse
ter conquistado de maneira individual o espaço que, coletivamente, era negado
para o seu povo, iludindo-se com a idéia de que estaria sendo aceito e incluído
naquela sociedade. Ansiosos pela suposta aceitação, sentiam necessidade de se
mostrarem confiáveis, cumprindo a risca o que se esperava deles, radicalizando
nas ações, na defesa dos valores dos poderosos e da ideologia do
“establishment” com mais vigor e paixão do que os próprios membros das elites.
A tragédia, para estes indivíduos – de ontem e de hoje -, se estabelece quando,
depois de cumprida a função para a qual foram cooptados são devolvidos à mesma
exclusão e subalternidade social dos seus irmãos. São inúmeros os exemplos
deste descarte e o mais notório é a história de Celso Pitta, eleito prefeito da
maior cidade do país, apoiado pelos setores reacionários, com a tarefa de
implementar sua política excludente. Depois de alçado aos céus, derrotando uma
candidata de esquerda que, quando prefeita privilegiou a população mais pobre –
portanto, negra – foi atirado ao inferno por aqueles que anteriormente apoiaram
sua candidatura e sua administração. Execrado pela mídia que ajudou a elegê-lo,
abandonado por seus padrinhos políticos, acabou processado e preso, de forma
humilhante, de pijama, algemado em frente às câmeras de televisão. Morreu no
ostracismo, sepultado física e politicamente, levando consigo as ilusões
daqueles que consideram que a questão racial passa ao largo das opções
político/ideológicas. A esquerda, por suas origens e compromissos, em que pese
o fato de existirem pessoas racistas que se auto intitulam de esquerda,
comporta-se de maneira diversa: foi um governo de esquerda que nomeou cinco
ministros de Estado negros; promulgou a lei 10.639, que inclui a história da
África e dos negros brasileiros nos currículos escolares; criou cotas em
universidades públicas; titulou terras de comunidades quilombolas e aprofundou
relações diplomáticas, econômicas e culturais com o continente africano.
Joaquim Barbosa se tornou o primeiro ministro negro do STF como decorrência do
extraordinário currículo profissional e acadêmico, da sua carreira e bela
história de superação pessoal. Todavia, jamais teria se tornado ministro se o
Brasil não tivesse eleito, em 2003, um Presidente da República convicto que a
composição da Suprema Corte precisaria representar a mistura étnica do povo
brasileiro. Com certeza, desde a proclamação da República e reestruturação do
STF, existiram centenas, talvez milhares de homens e mulheres negras com
currículo e história tão ou mais brilhantes do que a do ministro Barbosa.
Contudo, nunca passou pela cabeça dos presidentes da República – todos oriundos
ou a serviço das oligarquias herdeiras do escravismo – a possibilidade de
indicar um jurista negro para aquela Corte. Foi necessário um governo de
esquerda, com todos os compromissos inerentes à esquerda verdadeira, para que
seu mérito fosse reconhecido. A despeito disso, o ministro Barbosa, em uníssono
com o Procurador Geral da República, considera não haver necessidade de provas
para condenar os réus da Ação Penal 470. Solidariza-se com as posições
conservadoras e evidentemente ideológicas de alguns dos demais ministros e, em
diversas ocasiões procura ser “mais realista do que o próprio rei”. Cumpre
exatamente o roteiro escrito pela grande mídia ao optar por condenar não uma
prática criminosa, mas um partido e um governo de esquerda em um julgamento
escandalosamente político, que despreza a presunção de inocência dos réus, do
instituto do contraditório e a falta de provas, como explicitamente já
manifestaram mais de um dos integrantes daquela Corte. Por causa “desses
serviços prestados” é alçado aos céus pela mesma mídia que, faz uma década,
milita contra todas as iniciativas promotoras da inclusão social protagonizadas
por aquele governo, inclusive e principalmente, àquelas que tentam reparar as
conseqüências de 350 anos de escravidão e mais de um século de discriminação
racial no nosso país. O ministro vive agora o sonho da inclusão plena, do poder
de fato, da capacidade de fazer valer a sua vontade. Vive o sonho da aceitação
total e do consenso pátrio, pois foi transformado pela mídia em um semideus,
que “brandindo o cajado da lei, pune os poderosos”. Não há como saber se a
maximização do sonho do ministro Joaquim Barbosa é entrar para a história como
um juiz implacável, como o mais duro presidente do STF ou como o primeiro
presidente da República negro, como já alardeiam, nas redes sociais e conversas
informais, alguns ingênuos, apressados e “desideologizados” militantes do movimento
negro. O fato é que o seu sonho é curto e a duração não ultrapassará a
quantidade de tempo que as elites considerarem necessário para desconstruir um
governo e um ex-presidente que lhes incomoda profundamente. Elaborar o maior
programa de transferência de renda do mundo, construir mais de um milhão de
moradias populares, criar 15 milhões de empregos, quase triplicar o salário
mínimo e incluir no mercado de consumo 40 milhões de pessoas, que segundo
pesquisas recentes é composto de 80% de negros, é imperdoável para os herdeiros
da Casa Grande. Contar com um ministro negro no Supremo Tribunal Federal para
promover a condenação daquele governo é a solução ideal para as elites, que
tentam transformá-lo em instrumento para alcançarem seus objetivos. O sonho de
Joaquim Barbosa e a obsessão em demonstrar que incorporou, na íntegra, as bases
ideológicas conservadoras daquele tribunal e dos setores da sociedade que ainda
detém o “poder por trás do poder” está levando-o a atropelar regras básicas do
direito, em consonância com os demais ministros, comprometidos com a manutenção
de uma sociedade excludente, onde a Justiça é aplicada de maneira
discricionária. A aproximação com estes setores e o distanciamento dos
segmentos a quem sua presença no Supremo orgulha e serve de exemplo,
contribuirão para transformar seu sonho em pesadelo, quando àqueles que o
promoveram à condição de herói protagonizarem sua queda, no momento que não for
mais útil aos interesses dos defensores do “apartheid social e étnico” que
ainda persiste no país. Certamente não encontrará apoio e solidariedade nos
meios de esquerda, que são a origem e razão de ser daquele que, na Presidência
da República, homologou sua justa ascensão à instância máxima do Poder
Judiciário. Dos trabalhadores das fábricas e dos campos, dos moradores das
periferias e dos rincões do norte e nordeste, das mulheres e da juventude,
diretamente beneficiados pelas políticas do governo que agora é atingido
injustamente pela postura draconiana do ministro, não receberá o apoio e o axé
que todos nós negros – sem exceção – necessitamos para sobreviver nessa
sociedade marcadamente racista. Ramatis Jacino é professor, mestre e doutorando
em História Econômica pela USP e presidente do INSPIR – Instituto Sindical
Interamericano pela Igualdade Racial
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