quinta-feira, 24 de maio de 2012

Walter Sorrentino: À esquerda, Europa, por saída patriótica


Fonte: www.vermelho.org.br

Eleições municipais na Itália favoreceram amplamente a centro-esquerda, em especial o PD, Partido Democrático. Prepara-se o caldo das eleições nacionais ano próximo. Na Alemanha, eleição “estadual” no reduto da Sra. Merkel deram-lhe vigorosa derrota; lá também eleições nacionais serão realizadas em 2013.


A crise está fermentando na Europa. Já são 11 governos nacionais que não lograram reeleger-se desde 2008. Ameaça aguda será representada pela eleição na Grécia em 18 de junho, praticamente um plebiscito sobre austeridade e Europa. Um voto pela saída da Europa arrastará a comunidade para novo mergulho, pois implicará (além de novas e pesadas injunções sobre os direitos do povo grego) uma reestruturação da dívida grega e úma crise bancária de proporções inimagináveis.

Na tormenta, estão ameaçados não só Irlanda e Portugal – já profundamente penalizados – como também Espanha, Itália e até mesmo França. A crise por lá, se desdobrada numa crise bancária (evidentemente internacionalizada), além do default de diversos Estados-nação, terá efeito formidável, de dar saudade daquela de 1929, ainda que sob outras formas. Quebrar nações e povos, arrastar o sistema produtivo, antes mesmo de penalizar o sistema financeiro, é o ápice da regressão civilizatória causada pelo sistema capitalista contemporâneo.

A Alemanha foi a única beneficiária da austeridade fiscal imposta com mão de ferro sobre tudo e todos, com o beneplácito de Sarkozi, já derrotado. A Alemanha manteve congelados os salários, repôs sua produção e dominou o esforço exportador, às custas de seus parceiros. Merkel não pode abrir mão de sua bandeira pois perderá base e sustentação político-eleitoral. Não quer aprender nem sequer com as lições de 1929. Uma resultante seria um meio-termo com a política contraposta de crescimento,mas isso não é apenas palavreado. Significa lançar novos títulos para investimento, em nome da Europa, e mudar a orientação do BCE e outros órgãos multilaterais. Cessa a sucção alemã, e faz com que ela, mais uma vez, volte a arcar com o ônus ao seu projeto nacional como ocorreu após a derrota na 2ª. guerra mundial, depois a anexação da Alemanha do Leste.

A indigestão da crise europeia demorará e estenderá seus efeitos para além do continente. Mantido o sistema atual, J. Galbraith (hoje, em VALOR), indagado em quanto tempo se pode superar a crise, respondeu sem blague: talvez em cem, duzentos anos. Sabia do que estava falando.

Politicamente é que se podiam apresentar forças renovadoras, proponentes de saídas patrióticas e de esquerda, progressivas como se impõe pela correlação de forças. Os sacrifícios nacionais podem, por esse caminho, serem desigualmente distribuídos, retomando soberania e buscando retomar o crescimento econômico, mesmo que de forma paulatina. Manter-se ou não na Europa será um destino a (re)construir ou renegar, e não um a priori, se levarmos em conta a opinião majoritária existente nos países que a integram, até este momento. Não devia se dividir a esquerda por aí, de saída, mas sim debater medidas que saneiem a dívida soberana, cessem as agressões aos direitos do povo, exijam mais da banca e impliquem medidas de crescimento econômico. Dar confiança de que há outro caminho e há um norte, mesmo que implique sacrifícios, podem levar a novas maiorias lado progressista. Com um programa claro – ainda que difícil – pode justificar-se a união de forças amplas à esquerda e centro-esquerda, numa nova disputa política em defesa dos interesses dos respectivos povos.

Saídas radicais, de virar a mesa, parecem ser mais propriamente pela direita, e falsas em toda a linha. Aliás, essa é uma forte tradição europeia: a crise alimenta visões xenófobas, nazistas, reacionárias. Pela centro-esquerda, Hollande representou um começo de viragem política de maior impacto. Deve dobrar a parceira alemã; o conseguirá? Tais forças sempre causam muita frustração, e mesmo abandono de bandeiras, dado que sua visão e programas são inteiramente dependentes das forças dominantes financeiras, há muito tempo, e traem os interesses nacionais e populares.

À esquerda, os maximalismos costumam confortar a consciência, mas não quer dizer que sejam exequíveis. No mais das vezes apresentam visão redentora, como se se pudesse passar uma sociedade a limpo de uma penada. Dogmatismo sectário, nesta hora, será puro veneno ou postura testemunhal frente aos acontecimentos – nem é preciso retornar às geniais críticas de Lênin ao esquerdismo, a não ser para atribuir-lhe hoje o signo de senilidade ao invés de infantilidade.

Muita tenacidade, coragem, cautela e união é preciso por parte da esquerda consequente. É preciso programa determinado, claro, com pontos de plataforma realistas e exequíveis. Mas ela tem uma possibilidade de se recolocar no cenário. A Europa, neste momento, é o retrato mais acabado da instabilidade de um mundo sob a égide das finanças. E as saídas estão à esquerda.

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