sábado, 31 de março de 2012

O desastre dos transportes de SP

Uma coisa é eu palpitar sobre as péssimas condições do sistema de transporte urbano paulistano, outra é um especialista no assunto dizer exatamente o que um monte de gente vem falando há tempos. A Agência Brasil foi ouvir quem entende do assunto explicar o que está havendo em São Paulo, e não deu outra: o diagnóstico não poderia ser mais desabonador para as "autoridades" encarregadas do desgoverno da capital e do Estado.
Melhor reproduzir a reportagem na íntegra. Ela vale uma "crônica" inteira:
O aumento de usuários nas linhas da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e a falta de investimento em infraestrutura no sistema explicam os sucessivos problemas no transporte ferroviário em São Paulo. O diagnóstico é do especialista em transportes Sérgio Ejzenberg, consultor da Organização das Nações Unidas (ONU) no Programa de Desenvolvimento de Transportes para Bogotá e Colômbia. “Isso não poderia ter acontecido. Na hora que você ofereceu integração com o metrô e o ônibus, chamou gente para o sistema. E obviamente a rede elétrica não suporta a demanda atual”, disse Ejzenberg. “Você percebe que há uma exigência maior de alimentação, tudo isso precisa de energia. E a rede seguramente não estava preparada para isso. Isso explica os recorrentes problemas que sempre se dão no pico da manhã”, acrescentou. 
Na quinta-feira, um problema elétrico na Linha 7 Rubi (Luz - Francisco Morato - Jundiaí) da CPTM causou a paralisação dos trens entre as 7h e as 10h, quando o funcionamento foi retomado parcialmente. Apenas às 15h a totalidade do sistema voltou a operar. Em uma das estações mais atingidas, a Francisco Morato, usuários revoltados com os sucessivos problemas destruíram catracas que davam acesso à área de embarque. 
“Se a CPTM sabia do aumento de passageiros e não tomou providências, é inépcia. Se ela não sabia, é falta de planejamento. Se sabia, tomou as providências e não conseguiu orçamento para fazer, é decisão política equivocada. Há algum erro em algum lugar”, disse o especialista.
Na sexta-feira, deputados estaduais membros da Comissão de Transportes da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo fizeram uma inspeção na Estação Francisco Morato. “O que houve aqui é resultado da ebulição de tudo que vem ocorrendo nas linhas da CPTM. Há diminuição do investimento do governo e cortes no orçamento”, disse o deputado Alencar Santana Braga (PT). De acordo com ele, a bancada do PT fez uma representação no Ministério Público Estadual pedindo apuração sobre omissão do governo na manutenção da linha. Na Estação Francisco Morato, os usuários precisam cruzar a linha do trem a pé antes de chegar a plataforma de embarque. “As pessoas são colocadas em risco”. 
O PT também deverá convocar o secretário de transportes do Estado, e o presidente da CPTM para esclarecer aos deputados as sucessivas falhas que estão ocorrendo no sistema. Segundo a CPTM, a linha demorou quase oito horas para retomar totalmente o funcionamento devido aos usuários que desceram dos trens e tomaram os trilhos. “Por questão de segurança, a circulação de trens que vinha ocorrendo parcialmente teve de ser interrompida, o que provocou lotação nas estações dessa linha”, informou a companhia, em nota.
O frequentador da Estação Francisco Morato, Fábio Alexandre Souza, disse que já recebeu advertência no trabalho por chegar atrasado. “Eu chego aqui às 4h30 da manhã. Não é questão de fila aqui dentro, é que não cabe ninguém dentro da estação. A fila fica lá fora. Ultimamente a situação tem piorado, o trem vem de 40 em 40 minutos, e já chega lotado de Franco da Rocha [uma das estações anteriores]”. 
“Toda a semana tem paralisação por falta de energia. Principalmente no final de semana. Final de semana não tem trem. Demora 30 minutos para chegar e mais 30 para sair”, acrescentou. Marcio Nazario Ribeiro, também usuário da estação, conta que ontem perdeu o dia de trabalho por falta da condução. De acordo com ele, além da lotação dentro da estação, há falta de espaço dentro dos trens. “Aqui tem todo o tipo de problema, paralisação, tem muito intervalo entre os trens e está sempre muito lotado. Os trens parecem lata de sardinha. Ontem mesmo eu não pude trabalhar, e aí tive que voltar para casa. Quando falta trem, eles tentam colocar ônibus, só que os ônibus já vinham cheios”.
Em nota, a CPTM disse que herdou sistemas antigos, e que agora estão recebendo investimentos para sua modernização. “Somente neste ano serão mais R$ 1 bilhão para obras de infraestrutura (sinalização, telecomunicações, energia, rede aérea, via permanente e construção de passarelas), além da modernização das estações mais antigas e da frota de trens”, informou a companhia em nota. A companhia ainda destacou que a rede aérea de energia e os sistemas de alimentação elétrica dos trens estão sendo trocados e novas subestações de energia estão sendo construídas em todas as linhas. “Já está em fase de conclusão a licitação para contratação de projeto executivo, fabricação, fornecimento e instalação de novas subestações para as seis linhas, cujos investimentos são de R$ 664 milhões. Atualmente a CPTM possui 24 subestações elétricas para energia de tração, número que deverá chegar a 30 com a implantação das subestações em andamento e as que estão em licitação”. 
No primeiro trimestre de 2012, a CPTM registrou 15 ocorrências que prejudicaram o funcionamento normal dos trens. Quatro dessas ocorrências foram provocadas por falha no sistema de alimentação elétrica. As demais, segundo a CPTM, foram causadas por fatores externos, como alagamento e falhas nas composições.

Reitor da USP, João Grandino Rodas, é investigado pelo Ministério Público



Rodas é acusado de usar indevidamente verbas públicas para atacar professores da Faculdade de Direito
Da Redação
Rodas afirma que boletins foram publicados como forma de defesa "da pessoa do Reitor" (Foto: Festival CulturaDigital.br / Flickr))
O Ministério Público de São Paulo confirmou ontem, 29, que abriu inquérito para investigar o uso indevido de verbas públicas pelo reitor da USP (Universidade de São Paulo), João Grandino Rodas. A denúncia acusa o reitor de utilizar-se de verbas públicas para imprimir e distribuir boletins, onde realizou ataques a professores da Faculdade de Direito, da qual já foi diretor.
O inquérito foi instaurado a pedido da Congregação da Faculdade de Direito, instância que reúne professores, alunos e funcionários da instituição. O pedido foi entregue, em mãos, pelo diretor da São Francisco, Antonio Magalhães Gomes Filho, ao procurador-geral de Justiça, Fernando Grella Vieira, em outubro de 2011.
A investigação está sob responsabilidade da Promotoria do Patrimônio Público e Social, e corre em segredo de Justiça. Futuramente, o inquérito pode levar a uma ação civil pública por improbidade administrativa.
O pedido da Congregação foi uma resposta a dois boletins publicados pela assessoria de imprensa da reitoria da USP. O primeiro boletim acusava o atual diretor da faculdade de direito de descontinuar os projetos desenvolvidos na época em que Rodas dirigia a São Francisco, implicando no “desperdício do dinheiro público”. Dias depois, o reitor da USP publicou novo boletim, onde criticou o Clube das Arcadas, futura associação desportiva de alunos e ex-alunos da faculdade, e também retomou o debate sobre salas financiadas por patronos, que têm como contrapartida o batismo dos espaços com seus nomes. Magalhães apresentou sua defesa aos ataques feitos por Rodas na congregação e recebeu o apoio irrestrito do órgão.
Rodas dirigiu a Faculdade de Direito entre 2006 e 2009 e hoje é considerado persona non grata na instituição (Foto: Luiz Henrique Assunção / Flickr)
As críticas de Rodas a Magalhães foram o estopim que levou o reitor da USP a receber o título de persona non grata na Faculdade de Direito. Rodas foi o primeiro professor da história da instituição a ganhar a nomeação. Na tarde de ontem, 29, a Congregação analisou um pedido de revogação do título, mas, este foi mantido pelo voto de 24 dos 41 integrantes da máxima instância da São Francisco.
Em nota, a assessoria de imprensa da USP informou que a reitoria já prestou os devidos esclarecimentos ao Ministério Público, demonstrando a regularidade da publicação dos boletins.

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Alunos, professores e funcionários da USP retomam movimento “fora Rodas”

DEMóstenes, Cachoeira, oposição e a grande imprensa: ação entre amigos

Por que será que a grande imprensa não aprofunda as investigações sobre Demóstenes Torres, o senador do DEM por Goíás, até sufocá-lo e fazer ruína de seu mandato?
Que vá além da maneira estanque que fazem até o momento, sem grande alarde?
O caso é escandaloso, há sério envolvimento de um político com um contraventor, Carlinhos Cachoeira, que teria até presenteado o excelentíssimo senador com uma cozinha que custaria milhares de reais.  A troco de que?
A Veja não se interessa em investigar?
Será que é preciso esperar mais para saber o porquê?

Creio que o respeito as leis se aplique a todos, seja situação ou oposição, saiu da linha, que seja enquadrado nos rigores da lei.
Cometeu desvios?  Que a imprensa use todo o seu aparato investigativo para apurar e levar a sociedade todas as denúncias.

Partidarismo engajado da grande imprensa
Mas se a situação em questão envolvesse um senador governista?
Alarde e shows pirotécnicos, novelas jornalísticas diárias, cerco incessante até provocar a queda inevitável do acusado.
Não que se condene tal comportamento da imprensa se os fatos se comprovam.
Assim tem que ser, para o bem da sociedade e da manutenção do sistema político sadio.
Mas tem que ser para os dois lados.
Porque senão se comprova o que a senhora Judith Britto afirmou para o suspeitíssimo Instituto Millenium durante o período eleitoral em 2010, que a imprensa faz o papel da oposição, por julgá-la por demais fragilizada e, assim, busca "equilibrar" a peleja política.
De forma crua: toma partido, escolhe de que lado pelejar.

Mas não era assim antes...
Durante o primeiro mandato de FHC, o governo passava como um rolo compressor sobre a oposição no Congresso.  Não negociava, na imposição votava e aprovava, sem qualquer discussão mais séria, as matérias de seu interesse.
Assim foi com a emenda da reeleição, com as privatizações, reforma da previdência entre outras matérias nocivas ao interesse nacional, aprovadas na força da maioria parlamentar e apoiada pela grande mídia que pautava os assuntos como essenciais para a modernização do Brasil.  Deixando os governistas bem na foto e os oposicionistas como expoentes do atraso e de aturem contra o país.

No entanto a imprensa não reagiu ao rolo compressor dos tucanos, abrigando idéias da oposição de esquerda para tornar o jogo político menos desigual naquele momento.

Muito pelo contrário.

As forças da mídia agiram para devastar os partidos de oposição, criminalizar os movimentos sociais e transformar em bandidos os sindicatos de trabalhadores que se opunham a todos projetos que o governo aprovava no parlamento.

Os petroleiros foram transformados em criminosos contra a segurança nacional por conta de uma greve da Petrobrás, ali, governo e imprensa, irmanados, se mobilizaram para destruir uma categoria importante e, "no lucro", acabar com a petrolífera brasileira, ao ponto para levar as prateleiras das privatizações.  Felizmente não conseguiram.

O que se apura, aqui e ali, de maneira descoordenada sobre Demóstenes Torres, o ex-menestrel da ética e da honestidade, imagem que a grande imprensa lapidou para o senador goiano, é de uma gravidade extrema.

Torres foi envolvido no escândalo depois que grampos feitos pela Polícia Federal vazaram e que evidenciam que o senador falava frequentemente com o bicheiro. Além de receber presentes e pedir dinheiro a Carlinhos Cachoeira. 

Ligações perigosas de um senador da república, da oposição, com acesso constante ao púlpito da grande imprensa, com uma liderança do crime organizado.

A grande imprensa brasileira tem um histórico de acobertar malfeitos de seus aliados, comoSerraRodrigo Maia, também do DEM entre tantos outros

sexta-feira, 30 de março de 2012

Duas ou três coisas sobre o método do Fantástico


FONTE:www.revistaforum.com.br

Seria necessário ir muito além da exposição de um flagrante, que se esgota no impacto causado pelo escândalo e nos deixa indignados diante de tamanha aberração, sem qualquer alternativa de ação. Para que serve esse tipo de jornalismo?


Por Sylvia Debossan Moretzsohn [27.03.2012 10h30]
A reportagem do Fantástico de 18 de março, que expôs cenas de corrupção e fraude em licitações emergenciais num hospital da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), teve repercussão compatível com a gravidade da denúncia, que entretanto está longe de ser inédita.
O caso escolhido foi o de um hospital público, mas poderia ser constatado em qualquer outro setor. A situação é conhecida: o gestor convida empresas, elas se apresentam e negociam o percentual de propina, o serviço superfaturado é contratado e a vida segue, com os danos de sempre aos cofres públicos.
Se todo mundo sabe disso, por que tamanho alvoroço? Porque o impacto das cenas gravadas por câmeras ocultas é sempre muito forte. E produz um efeito de ineditismo que apaga da memória dos espectadores tudo o que já foi dito, publicado ou exibido sobre situações semelhantes.
Por isso a emissora se permite declarar, em anúncio de meia página na edição do Globo do domingo (25/3), que tal reportagem “revelou uma realidade que alertou o Brasil”. O título reitera o suposto ineditismo, além do protagonismo – e do autoatribuído poder – da rede de TV: “Corrupção na saúde: revogamos a lei do silêncio”.
Porém, a própria reportagem original menciona, embora apenas de passagem, que as empresas citadas estão sendo investigadas pelo Ministério Público por diferentes irregularidades e, apesar disso – o que parece aberração, mas não é, porque a lei permite que continuem atuando enquanto o processo não for concluído –, seguem entre os maiores fornecedores do governo e recebem juntas meio bilhão de reais em contratos feitos com verbas públicas.
Já no dia seguinte, o Jornal Nacional informava que três das quatro empresas mencionadas na reportagem estavam sendo investigadas pelo Tribunal de Contas da União. Na quinta-feira (22/3), O Globo destacava, em manchete de página, os “‘Debutantes’ em suspeitas”, lembrando que as ações do TCU começaram há 15 anos.
Por que, então, a reportagem do Fantástico optou por montar a cena de corrupção explícita? Por que privilegiou a exibição das propostas de propina em vez de destacar os processos judiciais que se arrastam sem solução? O que é mais importante: exibir – e repetir, repetir e repetir – as cenas de corrupção ou informar sobre os motivos que levam as denúncias a se perderem no tempo, a ponto de serem arquivadas ou não resultarem na devida punição?
A montagem do cenário
Vamos recapitular: em 18 de março, o Fantástico anunciava sua mais recente denúncia: a oferta de propina por parte de empresas interessadas em participar de licitações emergenciais no serviço público, e todo o esquema que envolve a “concorrência” de cartas marcadas. Eduardo Faustini, o famoso “repórter sem rosto”, obtém a autorização do diretor do hospital de pediatria da UFRJ, no Fundão, para se fazer passar pelo gestor de compras da instituição e atuar como tal durante dois meses, para provocar e flagrar a situação, através da instalação de câmeras ocultas no respectivo gabinete.
Além de alguns detalhes reveladores da recorrente precariedade da estrutura do serviço público – a fórmica azul descascada na base da porta da sala, as cadeiras com o forro preto rasgado deixando aparecer a espuma do estofo –, as imagens expõem os empresários, ou seus representantes, acenando com o que uma delas diz ser a “ética do mercado”: o pagamento de determinado percentual, que pode ser de dez, quinze, até vinte por cento do preço contratado, ao servidor responsável pela licitação. A reportagem, de 22 minutos, intercala entrevistas com o diretor do hospital, que justifica o acordo com o jornalista, e com o diretor da ONG Transparência Brasil, Claudio Weber Abramo, explicando como é possível forjar “emergências” – como deixar acabar material de limpeza, por exemplo – para justificar esse sistema de compra.
Catarse virtual
Expor o comportamento daquelas pessoas, tão seguras da impunidade, ou tentando estabelecer um código tosco para a eventualidade de uma gravação escondida – o gerente que fala em “camisas” em vez de cifras, e pede que o interlocutor feche o laptop, sem desconfiar das câmeras espalhadas pela sala –, é oferecer ao público uma espécie de catarse virtual. Como se estivéssemos vingados apenas porque passamos a conhecer o rosto de meia dúzia de empresários – ou seus prepostos – corruptos. Como se isso fizesse alguma diferença.
A reação no campo político era previsível: autoridades afetando surpresa e indignação, anunciando providências para o cancelamento de contratos com aquelas empresas, e a oposição alardeando a criação de uma CPI. Em meio a tudo isso, a notícia no Jornal Nacional da terça-feira (20/3), de que há dois anos o governo federal enviou projeto prevendo punição para empresas que corrompam funcionários públicos, justificado pelo relator, que informa sobre a precariedade da lei atual, na qual apenas pessoas físicas são puníveis, e sobre a demora no processo, que acaba tornando letra morta a hipótese de punição.
As armadilhas do método
A repercussão da reportagem deveria provocar algum debate sobre a utilização de câmeras ocultas para a constatação e divulgação de denúncias como essa. Costuma-se dizer que, em certas situações, apenas dessa forma se consegue obter as informações necessárias. Se fosse verdade, tais empresas não estariam sendo investigadas há tanto tempo. No entanto, o que importa não é bem a informação, mas a maneira pela qual ela é exibida – não por acaso foram tantas as referências ao Big Brother nos comentários sobre a reportagem.
Aí sim, a câmera oculta é imprescindível: porque exerce esse fascínio sobre o público, convidado a penetrar a zona proibida das negociatas, seguindo os passos do repórter sem rosto, ainda que sua imagem – de costas, subindo as escadas até o gabinete – não corresponda à sua identidade. O que importa, para a TV – ou esta TV –, é o impacto da imagem sobre os espectadores. Fazê-los pensar é outra história.
(Nem se diga, como querem tantos teóricos, que a TV impede o pensamento, por sua própria estrutura: de fato, a TV assimila perfeitamente a lógica do espetáculo, mas não obrigatoriamente se rende a ela; do contrário – à maneira do que disse Balzac a respeito da instituição da imprensa, que deplorava –, seria mesmo melhor que não tivesse sido inventada).
Enxurrada de elogios
Então o senador Pedro Simon (PMDB-RS), num texto que não faz jus à sua conhecida verve, publica artigo na edição de sexta-feira (23/3) do Globo enaltecendo a reportagem, que cumpriria “todas as exigências formais do bom jornalismo” – ainda que essas exigências se resumam ao atendimento às perguntas elementares de qualquer matéria, “o que, quem, quando, onde, por que”. Igualmente, no sábado (24), Zuenir Ventura escreve no mesmo jornal um elogio a esse “bom jornalismo” que, “com criatividade, paciência e argúcia (...) fez um dos mais contundentes libelos contra a corrupção, sem aparecer e sem precisar usar um adjetivo sequer, passando a palavra aos próprios personagens para se confessarem e se incriminarem”. E prossegue: “Nada é contado por ele [o repórter], mas mostrado ao telespectador sem mediação ou retoque, didaticamente” (os destaques são meus).
O repórter sem rosto, por definição, não aparece, mas por isso mesmo sua ação é mais notável do que se estivesse pautada pelos métodos comuns de reportagem: é essa aura de mistério que atrai tanto o interesse e a admiração do público; os adjetivos ausentes na gravação escondida são abundantes na edição das imagens, tanto na intervenção dos âncoras, no estúdio, quanto nas palavras do repórter que apresenta matéria; sobre a falta de mediação, francamente, o argumento chega a ser constrangedor: um jornalista experiente deveria ter claro que essa ilusão provocada pela câmera oculta, levando ao público a sensação de estar observando o desenrolar das cenas tais quais aconteceram, como a pura expressão da verdade, esconde o processo de edição, fundamental em qualquer caso.
Esta a armadilha do método: como escrevi há muito tempo, as “evidências” exibidas dessa forma “elidem a existência do jogo de representações inerente às relações sociais – o que a câmera expõe é visto como um flagrante que surpreende algum ilícito, uma prova irrefutável de ‘verdade’, sem mediações ou interferências – e encobrem justamente essas interferências contidas na própria mediação: o comportamento do ‘repórter sem rosto’, as perguntas que não vão ao ar, o não revelado estímulo a que a fonte adote atitudes que configurarão o ilícito a ser comprovado”.
Por isso não entendemos bem por que a roliça e gaiata negociadora de uma das empresas cobre o rosto ao final da reportagem, fingindo preocupação porque iria “sair no Fantástico”: o que teria provocado tal reação? Menos ainda entendemos por que o diretor do hospital aceitou franquear o acesso ao repórter que se disfarçaria de gestor. Em entrevista, ele declara seu desejo de demonstrar que nem todo comprador de hospital é desonesto. Mas por que recorreu à imprensa, e não apelou à polícia para flagrar o esquema, ou a instâncias formalmente constituídas para receber tais denúncias? Como justificou o afastamento do verdadeiro gestor da instituição? Que riscos estará correndo agora, já que – diferentemente do repórter – sua identidade é bem conhecida? O que pode acontecer a quem rompe com a “ética do mercado”, baseada no acordo do “eu te projeto e tu me proteges”?
A justiça “imediata” e o desprezo às instituições
Se o papel do jornalismo é esclarecer, seria necessário ir muito além da exposição de um flagrante, que se esgota no impacto causado pelo escândalo e nos deixa indignados diante de tamanha aberração, sem qualquer alternativa de ação. Para que serve esse tipo de jornalismo?
Talvez uma chave para a compreensão seja a entrevista que o “repórter sem rosto” deu à revista Trip de fevereiro de 2011, ilustrada, bem a propósito, com um retrato falado desse “personagem” e ressuscitada dias atrás no Facebook.
“Você está entrevistando Deus”, diz um colega ao autor da matéria. Faustini, ele mesmo, é mais modesto: considera-se um sacerdote. Diz que gosta de “jogar luz em uma zona que está escura”, mas seu propósito está longe de qualquer projeto iluminista. Pelo contrário: embora afirme admirar os profissionais que trabalham mostrando a cara e investigando documentos, ele prefere “resolver a questão numa filmagem”, porque “no dia seguinte, a casa do cara já caiu”.
É sua forma de compensar “a Justiça lenta, ineficiente” – embora ele mesmo não se considere um justiceiro. Mas, ao mesmo tempo, tampouco acha necessário subordinar-se à lei: “A relevância de um fato é sempre mais importante que a infração que estou cometendo. (...) O interesse público é o meu foco. Pra mim, ele é mais importante que qualquer lei ou regra de etiqueta”. Também considera o segredo de justiça um absurdo, porque “não protege a dona Maria ou o seu João, protege apenas o milionário corrupto”.
Entender que o aparelho judiciário está marcado por interesses de classe é uma coisa; concluir que daí ele atende apenas aos poderosos é um equívoco facilmente demonstrável. Mas não é difícil identificar as origens e as consequências desse pensamento rasteiro que exclui as mediações próprias do regime republicano – por menos que estas sejam as características de nossa formação sociopolítica – para buscar a comunicação direta com o público.
Todos os regimes totalitários agiram assim. Sempre em nome do povo.
Será mesmo este o caminho do bom jornalismo?
***
[Sylvia Debossan Moretzsohn é jornalista, professora da Universidade Federal Fluminense, autora de Pensando contra os fatos. Jornalismo e cotidiano: do senso comum ao senso crítico (Editora Revan, 2007)]

Desigualdade no sistema educacional brasileiro é herança do período militar


Esvaziamento do ensino superior público divide opiniões, mas violência repressiva, falta de oportunidades e despolitização da sociedade surgem como símbolos do modelo deixado pela ditadura militar
Publicado em 30/03/2012, 08:30
Última atualização às 09:30
São Paulo – Infinidade de universidades privadas, licenciatura em menor tempo, grade de disciplinas engessada e o fechamento do ensino superior às classes baixas são termos que soam naturais aos ouvidos habituados ao modelo educacional brasileiro. Este modelo, porém, aos poucos transformado, teve origem na política adotada pela ditadura iniciada com o golpe de 1º de abril de 1964.
Como o apoio ideológico da ditadura era dado por setores da classe média, foi em nome dela que o governo militar trabalhou, principalmente, na perspectiva de políticas de educação. Para a filósofa Marilena Chauí, professora aposentada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, os estratos médios não tinham poder político nem econômico. "Para o governo militar, a classe média só tinha poder ideológico. Então, a sustentação que ela deu fez com que o governo considerasse que precisava mantê-la como apoiadora, e a recompensa foi garantir o diploma universitário para a classe média", argumenta.
Com a adoção do modelo norte-americano por meio da parceira entre o Ministério da Educação do governo Castelo Branco (1964-1967) e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na sigla em inglês), e a aplicação de uma política educacional mais voltada à economia, o ensino no Brasil deixava de ter a finalidade social e passava a ser, exlcusivamente, direcionado à formação profissional de estudantes. Neste período, a transferência do peso do ensino público para o privado começava a se concretizar.
Segundo a professora do departamento de sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Maria José de Rezende, é neste momento da história que os procedimentos adotados caminhavam contra aquilo que havia sido amplamente discutido desde os anos 1930: a criação de uma educação pertinente à necessidade brasileira, com participação direta da sociedade. "A herança mais forte daquele período é a dificudade de se estabelecer o processo de educação como um todo, com caráter inclusivo e de igualdade de oportunidade", defende a professora.

Educação pública x educação privada

Para Marilena Chauí, o desinteresse em investir no ensino superior público, sem verba ou incentivo a laboratórios e bibliotecas, teve como principal motivo a mudança para uma política capitalista que visava, prioritariamente, à formação rápida de mão-de-obra "dócil" para o mercado de trabalho. "Além disso, eles criaram a disciplina de educação moral e cívica, para todos os graus do ensino. Na universidade, havia professores que eram escalados para dar essa matéria, em todos os cursos, nas ciências duras, biológicas e humanas. A universidade que nós conhecemos hoje ainda é a universidade que a ditadura produziu", relembra Chauí.

Entretando, segundo o professor do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), João Roberto Martins, à época da chegada dos militares ao poder, o número de estudantes matriculados crescia consideravelmente, resultando no que foi chamado de "problemas dos excedente", que representava um número maior de pessoas aprovadas nos vestibulares do que as vagas oferecidas. Diante disso, a pressão popular exercida fez com que o governo incentivasse o crescimento de vagas recorrendo às universidades privadas.

Martins sublinha que, apesar da aparente ambiguidade em investir no setor particular, o governo militar, à mesma medida, não reduziu os aportes no ensino superior público. "De certa maneira, o regime autoritário achava que precisava das universidades para realizar o que na época passou a se chamar de Projeto Brasil Potência. Então na verdade não faltaram verbas para os institutos e programas de pesquisa. E, apesar de um regime ditatorial, houve sim apoio a pesquisas e uma grande expansão do sistema brasileiro de pós graduação", pontuou.

A tentativa de calar quem dava voz à sociedade

Militar em sala de aula, muitas vezes fazendo o papel do professor, não foi uma cena incomum naquele período. A repressão contra qualquer tipo de pensamento diferente daquele que estava sendo difundido e politizado representava motivo, sem contestação, para censurar no lecionamento de disciplina e para prisões arbitrárias de professores e líderes estudantis.
Marilena Chauí, que presenciou o arriscado convívio entre militares, estudantes e docentes, conta como foi a resistência e o dia dia das universidades naquele período: "Foi uma coisa dramática, lutamos o que pudemos, fizemos a resistência máxima que era possível fazer com o risco que você corria, porque nós éramos vigiados o tempo inteiro. Os jovens hoje não têm ideia do que era o terror que se abatia sobre nós. Você saía de casa para dar aula e não sabia se ia voltar, não sabia se ia ser preso, se ia ser morto, não sabia o que ia acontecer, nem você, nem os alunos, nem os outros colegas".

quinta-feira, 29 de março de 2012

A ideologia do governo Dilma

Há algumas semanas, conversava com um parlamentar de convicções socialistas e, lá pelas tantas, ouvi dele que o governo Dilma estaria “dando uma guinada à direita”. O dizer do parlamentar reflete uma percepção que vai se tornando cada vez mais ampla.
Há uma profunda frustração de setores da esquerda com a atuação de Dilma, em torno de quem a esquerda se uniu em 2010 de forma a barrar a eleição do político que hoje simboliza a direita brasileira em sua graduação maior de reacionarismo, José Serra.
A começar pelo comparecimento da presidente da República à festa de aniversário do jornal Folha de São Paulo no início do ano passado, sobreveio uma longa lista de medidas e gestos políticos inaceitáveis para a esquerda, inclusive para a mais moderada.
Possivelmente, portanto, vem faltando compreensão da natureza de um governo que se elegeu através de uma aliança em que o partido da presidente, apesar de ser o de maior peso, é apenas um dos componentes ideológicos.
As diferenças entre os governos Lula e Dilma começam pelos vices de cada um. José Alencar pertencia a um partido inexpressivo (PRB) e sua atuação resumiu-se a ser uma espécie de fiador de Lula junto ao capital. Michel Temer é outra história. É presidente do PMDB, o segundo maior partido do país, logo atrás do PT.
No governo Lula o PMDB era um aliado, mas não tinha o peso que tem no governo Dilma por ter elegido seu vice-presidente. Ou seja: o PMDB de Dilma é muito mais influente do que o PMDB de Lula, inclusive pela legitimidade que tem para influir.
E o que é o PMDB se não um partido de centro-direita tanto quanto o PSDB? Com esse e outros partidos conservadores na aliança que o sustenta, se excluirmos o PT esse governo tem uma base majoritariamente de direita, ou de centro-direita.
O governo Dilma, portanto, tem contas a prestar tanto à esquerda quanto à direita.É um governo que se pretende de união nacional, um governo que pretende fazer divergências ideológicas intransponíveis coabitarem sob o guarda-chuva do poder.
Não vai, aí, nenhuma crítica ao governo Dilma ou ao PT. O fato é que este partido jamais chegaria sozinho ao poder. A alternativa seria o Brasil eleger um governo muito mais à direita, sem um só partido de centro-esquerda na aliança.
Entre a militância de esquerda frustrada pelos rumos do governo Dilma, portanto, falta a compreensão de que ele deve satisfações ao seu quadrante conservador. É um governo apoiado por banqueiros, latifundiários, sindicalistas, movimentos sociais…
Não se está, aqui, fazendo apologia a essa aliança entre o capital e o trabalho que elegeu o governo Dilma, apenas se está constatando um fato:  não existe traição nesse governo, mas composição entre ideologias.
O governo Dilma é uma experiência inédita na história política pós-redemocratização. Jamais houve uma aliança parecida entre esquerda e direita, mesmo que seja entre esquerdistas e direitistas moderados.
E, goste-se ou não, tanto uma quanto outra ideologia têm legitimidade idêntica para influir neste governo. O eleitor conservador não é mais nem menos do que o progressista. Pretender que o governo Dilma se paute pela visão unicamente esquerdista, é um equívoco.
Há, finalmente, uma reflexão que a esquerda precisa fazer: queimar pontes com o governo Dilma por não entender sua natureza de governo de conciliação ideológica significa jogá-lo nos braços dos conservadores que o sustentam tanto quanto os progressistas.
O governo Dilma é o que se pode conseguir em um país ainda extremamente conservador que segue dogmas religiosos com um fundamentalismo impressionante mesmo quando se constituem em verdadeiros absurdos.
Refletindo serenamente, constata-se que um governo temperado por direita e esquerda é preferível a outro totalmente de direita como seria o de José Serra ou congêneres. Como socialista, não gosto desse fato. Mas não tenho como fazê-lo sumir.

Medíocres e perigosos


O reacionário é, antes de tudo, um fraco. Um fraco que conserva ideias como quem coleciona tampinhas de refrigerante ou maços de cigarro – tudo o que consegue juntar mas só têm utilidade para ele. Nasce e cresce em extremos: ou da falta de atenção ou do excesso de cuidados. E vive com a certeza de que o mundo fora da bolha onde lacrou seu refúgio é um mundo de perigos, pronto para tirar dele o que acumulou em suposta dignidade.
Para ele, tudo o que é diferente tem potencial de destruição
Como tem medo de tudo, vive amargurado, lamentando que jamais estenderam um tapete à sua passagem. Conserva uma vida medíocre, ele e suas concepções e nojos do mundo que o cerca. Como tem medo, não anda na rua com receio de alguém levar muito do pouco que tem (nem sempre o reacionário é um quatrocentão). Por isso, só frequenta lugares em que se sente seguro, onde ninguém vai ameaçar, desobedecer ou contradizer suas verdades. Nem dizer que precisa relaxar, levar as coisas menos a sério ou ver graça na leveza das coisas. O reacionário leva a sério a ideia de que é um vencedor.
A maioria passou a vida toda tendo tudo aos alcance – da empregada que esquentava o leite no copo favorito aos pais que viam uma obra de arte em cada rabisco em folha de sulfite que ele fazia – e cultivou uma dificuldade doentia em se ver num mundo de aptidões diversas. Outros cresceram em meios menos abastados – e bastou angariar postos na escala social para cuspir nos hábitos de colegas de velhos andares. Quem não chegou aonde chegou – sozinho, frise-se – não merece respeito.
Rico, ex-pobre ou falidos, não importa: o reacionário clássico enxerga em tudo o que é diferente um potencial de destruição. Por isso se tranca e pede para não ser perturbado no próprio mundo. Porque tudo perturba: o presidente da República quer seu voto e seus impostos; os parlamentares querem fazê-lo de otário; os juízes estão doidos para tirar seus direitos acumulados; a universidade é financiada (por ele, lógico) para propagar ideias absurdas sobre ideais que despreza; o vizinho está sempre de olho na sua esposa, em seu carro, em sua piscina. Mesmo os cadeados, portões de aço, sistemas de monitoramento, paredes e vidros anti-bala não angariam de todo a sua confiança. O mundo está cheio de presidiários com indulto debaixo do braço para visitar familiares e ameaçar os seus (porque os seus nunca vão presos, mesmo quando botam fogo em índios, mendigos, prostitutas e ciclistas; índios, mendigos, prostitutas e ciclistas estão aí para isso).
Como não conhece o mundo afora, a não ser pelas viagens programadas em pacotes que garantem o translado até o hotel, e despreza as ideias que não são suas (aquelas que recebeu de pronto dos pais e o ensinaram a trabalhar, vencer e selecionar o que é útil e o que é supérfluo), tudo o que é novo soa ameaçador. O mundo muda, mas ele não: ele não sabe que é infeliz porque para ele só o que não é ele, e os seus, são lamentáveis.
Muitas vezes o reacionário se torna pai e aprende, na marra, o conceito de família. Às vezes vai à igreja e pede paz, amor, saúde aos seus. Aos seus. Vê nos filhos a extensão das próprias virtudes, e por isso os protege: não permite que brinquem com os meninos da rua nem que tenham contato com ideias que os retirem da sua órbita. O índice de infarto entre os reacionários é maior quando o filho traz uma camisa do Che Guevara para casa ou a filha começa a ouvir axé e namorar o vocalista da banda (se ele for negro o infarto é fulminante).
Mas a vida é repleta de frestas, e o tempo todo estamos testando as mais firmes das convicções. Mas ele não quer testá-las: quer mantê-las. Por isso as mudanças lhe causam urticárias.
Nos anos 70, vivia com medo dos hippies que ousavam dizer que o amor não precisava de amarras. Eram vagabundos e irresponsáveis, pensava ele, em sua sobriedade.
Depois vieram os punks, os excluídos de aglomerações urbanas desajeitadas, os militantes a pedir o alargamento das liberdades civis e sociais. Para o reacionário, nada daquilo fazia sentido, porque ninguém estudou como ele, ninguém acumulou bens e verdades como ele e, portanto, seria muito injusto que ele e o garçom (que ele adora chamar de incompetente) tivessem o mesmo peso numa urna, o mesmo direito num guichê de aeroporto, o mesmo lugar na fila do fast food.
O reacionário vive com medo. Mas não é inofensivo. Foto: Galeria de GorillaSushi/Flickr
Para não dividir espaços cativos, frutos de séculos de exclusão que ele não reconhece, eleva o tom sobre tudo o que está errado. Sabendo de seus medos e planos de papel, revistas, rádios, televisão, padres, pastores e professores fazem a festa: basta colocar uma chamada alarmista (“Por que você trabalha tanto e o País cresce tão pouco?”) ou música de suspense nas cenas de violência (“descontrolada!”) na tevê para que ele se trema todo e se prepare para o Armagedoon. Como bicho assustado, volta para a caixinha e fica mirabolando planos para garantir mais segurança aos seus. Tudo o que vê, lê e ouve o convence de que tudo é um perigo, tudo é decadente, tudo é importante, tudo é indigno. Por isso não se deve medir esforços para defender suas conquistas morais e materiais.
E ele só se sente seguro quando imagina que pode eliminar o outro.
Primeiro, pelo discurso. No começo, diz que não gosta desse povinho que veio ao seu estado rico tirar espaço dos seus. Vive lembrando que trabalha mais e paga mais impostos que a massa que agora agora quer construir casas em seu bairro, frequentar os clubes e shoppings antes só repletos de suas réplicas. Para ele, qualquer barberagem no trânsito é coisa da maldita inclusão, aqueles bárbaros que hoje tiram carta de habilitação e ainda penduram diplomas universitários nas paredes. No tempo dele, sim, é que era bom: a escola pública funcionava (para ele), o policial não se corrompia (sobre ele), o político não loteava a administração (não com pessoas que não eram ele).
Há que se entender a dor do sujeito. Ele recebeu um mundo pronto, mas que não estava acabado. E as coisas mudaram, apesar de seu esforço e sua indignação.
Ele não sabe, mas basta ter dois neurônios para rebater com um sopro qualquer ideia que ele tenha sobre os problemas e soluções para o mundo – que está, mas ele não vê, muito além de um simples umbigo. Mas o reacionário não ouve: os ignorantes são os outros: os gays que colocam em risco a continuidade da espécie, as vagabundas que já não respeitam a ordem dos pais e maridos, os estudantes que pedem a extensão de direitos (e não sabem como é duro pegar na enxada), os maconheiros que não estão necessariamente a fim de contribuir para o progresso da nação, os sem-terra que não querem trabalhar, o governante que agora vem com esse papo de distribuir esmola e combater preconceitos inexistentes (“nada contra, mas eles que se livrem da própria herança”), os países vizinhos que mandam rebas para emporcalhar suas ruas.
Muitas vezes o reacionário se torna pai e aprende o conceito de família. Vê nos filhos a extensão das próprias virtudes, e por isso os protege: não permite que brinquem com os meninos da rua nem que tenham contato com ideias que os retirem da sua órbita
O mundo ideal, para o reacionário, é um mundo estático: no fundo, ele não se importa em pagar impostos, desde que não o incomodem.
Como muitos não o levam a sério, os reacionários se agrupam. Lotam restaurantes, condomínios e associações de bairro com seus pares, e passam a praguejar contra tudo.
Quando as queixas não são mais suficientes, eles juntam as suas solidões e ódio à coletividade (ironia) e passam a se interessar por política. Juntos, eles identificam e escolhem os porta-vozes de suas paúras em debates nacionais. Seus representantes, sabendo como agradar à plateia, são eleitos como guardiões da moralidade. Sobem a tribunas para condenar a devassidão, o aborto, a bebida alcoolica, a vida ao ar livre, as roupas nas escolas. Às vezes são hilários, às vezes incomodam.
Mas, quando o reacionário se vê como uma voz inexpressiva entre os grupos que deveriam representá-lo, bota para fora sua paranóia e pragueja contra o sistema democrático (às vezes com o argumento de que o sistema é antidemocrático). E se arma. Como o caldo cultural legitima seu discurso e sua paranoia, ele passa a defender crimes para evitar outros crimes – nos Estados Unidos, alvejam imigrantes na fronteira, na Europa, arrebentam árabes e latinos, na Candelária, encomendam chacinas e, em QGs anônimos, planejam ataques contra universitários de Brasília que propagam imoralidades (leia mais AQUI).
O reacionário, no fim, não é patrimônio nacional: é um cidadão do mundo. Seu nome é legião porque são muitos. Pode até ser fraco e viver com medo de tudo. Mas nunca foi inofensivo.
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