quarta-feira, 7 de março de 2012

A Teologia da libertação na luta de classes: Cristianismo de esquerda e América Latina



Leonardo Boff, teólogo da libertaçãoA ideologia cristã desempenhou papéis distintos na história. Nos seus primórdios, serviu de base ideológica e organizativa para a luta dos mais pobres contra as opressões do Império Romano. Sua força foi tanta que o próprio Império absorveu o que lhe interessava, aglutinando uma parte das diversas correntes existentes e organizando o que conhecemos como a Igreja Católica e consequentemente, a Bíblia. A partir daí, serviu como arma para a opressão política, filosófica e cultural. Os diversos textos escritos e traduzidos em épocas diferentes e em locais distintos do mundo permitem uma gama de interpretações, podendo servir tanto para a opressão quanto para a libertação, para a reação ou para o progresso. Na segunda metade do século XX (mais precisamente nas décadas de 60 e 70), surge na América Latina um movimento político e ideológico, com força dentro e fora da igreja, inspirado pelo que há de mais progressista na ideologia cristã: O amor ao próximo, o senso de justiça e a defesa dos pobres. Este movimento existente até hoje (mesmo que tendo uma influência bem menor) ficou conhecido como teologia da libertação (termo oriundo do fato de ser uma ideologia metafísica, que tem como centro o estudo de Deus e da Bíblia, compreendendo através desse estudo que existe uma obrigação moral, um dever com Deus, de lutar ao lado dos mais pobres. Entre os grandes teólogos deste movimento, temos o brasileiro Leonardo Boff que se dedica à pregação de suas idéias até os dias de hoje.
    A teologia da libertação, como qualquer outra manifestação ideológica, foi fruto de seu tempo. Resultado das contradições existentes no mundo e principalmente na América Latina, das décadas de 60 e 70, no qual em plena Guerra Fria, essa região tornava-se palco de grandes confrontos, onde a luta de classes estava cada vez mais acirrada, principalmente após a Revolução Cubana em 1959 e sua transformação socialista, após 1961.  Com o avanço dos movimentos progressistas e de esquerda no subcontinente, o socialismo ganhava cada vez mais força entre a população latino-americana. Com medo de perder seu domínio, os Estados Unidos da América se uniram às diversas forças conservadoras da América Latina (principalmente os militares) e começaram a derrubar pela força os governantes comprometidos com as causas populares, iniciando um período de repressão sistemática, uma era de escuridão para os povos. Aqueles que estavam do lado da elite e do imperialismo chegaram ao poder e sustentaram toda essa tirania.   
    Já aqueles que estavam do lado dos mais pobres, que buscavam de diversas maneiras acabar ou pelo menos diminuir o seu sofrimento, passaram a ter nos próprios governos (instalados legalmente ou não, na maioria dos casos ilegalmente) um obstáculo a enfrentar. Entre os combatentes estavam alguns membros da Igreja Católica, com sinceros desejos de transformação social. Passaram a discutir e pensar sobre como atuar, influenciados obviamente, por sua formação e suas crenças cristãs. Encontraram no Novo Testamento um guia perfeito para suas ações, sendo inspirados pelas mensagens de amor ao mais pobres e tendo como exemplos os mártires do cristianismo, principalmente o próprio Jesus.
    O marxismo (ou socialismo científico) estava em uma fase de ofensiva pelo mundo. A experiência da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas gozava de prestígio internacional por ter sido a principal responsável pela derrota do nazismo (cerca de 70% da máquina de guerra alemã foi destinada à luta contra a URSS), no Vietnã os comunistas, de armas nas mãos, resistiam bravamente às diversas forças imperialistas que invadiam seu território e, aqui na América, Cuba, tornava-se a primeira nação socialista do continente, servindo de exemplo para diversas nações subdesenvolvidas. Era natural que todos aqueles que buscassem a luta por um mundo justo, se alinhassem às propostas socialistas, com os adeptos da teologia da libertação não seria diferente. Porém, uma incompatibilidade filosófica existia entre o marxismo e qualquer pregação ideológica metafísica. O marxismo é materialista, defende que os homens fazem a sua própria história, são frutos do desenvolvimento das relações materiais, não da vontade divina. Para os adeptos do marxismo uma sociedade justa (o socialismo) seria fruto do desenvolvimento histórico e da luta dos trabalhadores. A teologia da libertação se baseava num dever estabelecido imperativamente entre Deus e os homens, em um compromisso entre o criador e as criaturas.
   Mesmo com todas as diferenças, o momento histórico favoreceu a aproximação entre estas correntes, chegando em muitos casos a um se desenvolver para o outro. Se os objetivos eram os mesmos, os meios semelhantes e as necessidades gritantes, não havia motivo relevante para não respeitar as diferenças e atuar em conjunto contra o inimigo em comum. Principalmente quando falamos da América Latina, onde o cristianismo está enraizado na cultura popular.
   De uma forma geral, os adeptos da teologia da libertação atuavam de maneira pacífica, organizada, mas nem sempre centralmente dirigida. Os camponeses da América Latina que lutaram nesta época foram muito influenciados por essa filosofia. Com forte presença na CNBB, alguns bispos brasileiros se tornaram referência na luta contra a opressão. A principal forma de atuação dos adeptos da teologia da libertação foi através das Comunidades Eclesiais de Base, ou CEBs. (não aceitas oficialmente pela igreja). Nas CEBs, os membros da igreja organizavam a população local para praticar atos religiosos, discutir o evangelho e atuar coletivamente para resolver os problemas da comunidade.
   Alguns adeptos tiveram participação mais efetiva, atuando em partidos políticos (como o PCdoB ou posteriormente o PT) e até mesmo em organizações guerrilheiras, como o Padre Camilo Torres, morto em 1966 e membro do Exército de Libertação Nacional (ELN – Colômbia), organização que existe até hoje. No Brasil, outro movimento que ganhou força foi a Ação Popular, organização marxista-leninista que se originou da JUC (Juventude Universitária Católica). Com a adesão da AP ao maoísmo na década de 70, grande parte dos seus quadros se une ao PCdoB, aumentando largamente as fileiras deste e sua influência no Brasil, sendo interessante o fato de seu atual presidente, Renato Rabelo, (além de vários quadros importantes), ter sido um membro da Ação Popular.
   Os setores mais poderosos da igreja católica, pressionados pelas elites que as sustentavam e com medo de que o marxismo ganhasse ainda mais força, passaram a perseguir a teologia da libertação. Só tolerando os membros mais distantes das lutas políticas organizadas ou fazendo vista grossa para aqueles que possuíam muita influência e prestígio, tanto dentro quanto fora da igreja. Oficialmente, a igreja católica condena o marxismo, utilizando principalmente o fato do mesmo ser essencialmente ateu, além do fato da própria Igreja defender a propriedade privada como um direito. 
   Apesar do discurso humanista, esta instituição ajuda os pobres com dois objetivos: Alimentar moralmente os que o praticam e amenizar o sofrimento da população para que estes não se rebelem contra o real problema, que é o sistema sob o qual vivem. Porém, também está sujeita as contradições e a teologia da libertação pode ser considerada um exemplo histórico da luta de classes no seio da própria igreja.
   Com a perseguição interna e externa e a desorganização das forças revolucionárias (fruto de uma amenização da luta de classes na América Latina e das crises vividas pelos países socialistas) a teologia da libertação perdeu boa parte de sua influência, mas ainda se mantêm viva, cumprindo um papel simbólico de resistência no seio da igreja e podendo voltar a ser um elo de ligação entre as forças revolucionárias e os povos da América Latina.  

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