quarta-feira, 21 de março de 2012

O golpismo da mão invisível da imprensa


 
A nostalgia cega qualquer possibilidade de análise séria. Se a liberdade de imprensa é tanto mais ampla quanto maior for a responsabilidade ética dos que a fazem diariamente, podemos afirmar, ancorados em um razoável número de citações jornalísticas, que só a regulamentação da mídia pode salvar a esfera pública por ela ameaçada.
Por Gilson Caroni Filho(*)
O reino dos céus, de acordo com a tradição cristã, será dos homens de boa fé. A eles já pertencem, na sua íntegra, os conteúdos noticiosos do dispositivo midiático nativo. No momento em que a Comissão Européia prevê um forte freio na atividade econômica em 2012 e não descarta a hipótese de uma longa e profunda recessão, editoriais e os conhecidos representantes do jornalismo de mercado pregam como “medidas de cautela contra o contágio” a mesma agenda que quase nos levou ao colapso nos oito anos do consórcio demotucano.
Fingindo ignorar que se rompeu uma coisa que já estava rompida, homens e mulheres de “boa fé,” de prestigiosas redações, voltam a aplicar a estratégia do terrorismo econômico, na expectativa de gerar uma profecia que se auto-cumpre. Enquanto o Banco Central, acertadamente, revê medidas de restrição ao crédito, depois de ter iniciado a redução das taxas de juro em agosto, os oráculos da grande imprensa sonham em ver reinstalada a política fundamentalista que, de 1994 a 2002, implementou radical mecanismo de decadência auto-sustentada, marcada por crescentes dívidas e desemprego, e anemia da atividade econômica.
O Brasil ideal seria aquele com juros elevados, maior dificuldade de financiamento, menor mercado para exportações e a volta a negociações duras com bancos e organismos multilaterais. A nostalgia cega qualquer possibilidade de análise séria. Se a liberdade de imprensa é tanto mais ampla quanto maior for a responsabilidade ética dos que a fazem diariamente, podemos afirmar, ancorados em um razoável número de citações jornalísticas, que só a regulamentação da mídia pode salvar a esfera pública por ela ameaçada.
No capítulo das mentiras complexas que se arrastam há décadas, há que se arremeter com energia demolidora contra o sequestro da moral pública pelos critérios que definem a lógica do mercado. Está em curso uma ação que não tem outro objetivo senão o do esvaziamento da essência da política.
Não há mais como transigir , em nome da diversidade de opiniões, com a velha ortodoxia assimilada pelos jornalões, portais e emissoras de televisão como “exemplo de racionalidade econômica”. O receituário se repete como mantra: liberalização do comércio; ênfase no setor privado como fonte de crescimento, incluindo a privatização de empresas estatais; redução geral de todas as formas de intervenção governamental no mercado de capitais e no câmbio; precarização dos direitos trabalhistas e sucateamento do Estado. Já aprendemos demais com a tragédia para vê-la rediviva como farsa.
Sabemos que a desregulamentação dos mercados financeiros resultou numa explosão da dívida privada, numa especulação nunca vista anteriormente e abusos sórdidos do capital financeiro. O fundamento religioso de mercado está na base do estancamento da economia global e da crise que afeta a zona do Euro. Por que reeditá-lo por aqui? São inocentes os consultores e jornalistas de plantão? Não.
Eles sabem que a repercussão de alguns destes problemas vai bem além da esfera econômica. A capacidade de sobrevivência de governos democráticos como os do Brasil, Argentina, Uruguai, entre tantos outros, frente a contínuas reduções do nível de vida, seria discutível. Das redações o mercado articula o golpe. São insanas as corporações midiáticas? Não, são ávidas de poder, riquezas e inimigas juradas da democracia. O desprezo com que se referem às instituições representativas revela o autoritarismo que embasa sua estrutura discursiva. É preciso dar um basta aos que se inclinam, siderados, a qualquer aventura antidemocrática. A “mão invisível” se move implacável em edições diárias.
*Gilson Caroni Filho colabora com o “Quem tem medo da democracia?”, onde mantém a coluna “Traço de Mestre

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