sábado, 10 de setembro de 2011

Reflexão sobre liberdade


“Não devemos acreditar nos muitos que dizem que só as pessoas livres devem ser educadas, deveríamos antes acreditar nos filósofos que dizem que apenas as pessoas educadas são livres.”

Epicteto, filósofo romano e ex-escravo – Discursos



FONTE: www.euincomodo.blogspot.com

 

 Não há quem não aprecie e anseie por liberdade. Costumamos encerrar nossos cães em coleiras e percebemos o quanto isso lhes causa sofrimento. É tolice achar que os pássaros presos em gaiolas estão felizes, e por isso cantam. Tentem então prender um gato e vejam a tamanha revolta que manifestam. Todos querem ser livres. E quanto maior é a capacidade de discernir, maior será o apreço por uma vida livre.

Nós humanos, dentre todos os animais, possuímos cérebros mais complexos e sofisticados, somos mais capazes de estimar a qualidade de ser livre. Em verdade, não só apreciamos, mas buscamos cada vez mais nos distanciar da servidão ou de qualquer sistema opressor.

Em Roma existiu um filósofo que conheceu a escravidão, não sabemos qual era seu verdadeiro nome mas chamavam-no de Epicteto. Acabou sendo libertado pelo seu senhor, que por sua vez era também um ex-escravo. Em Roma Epicteto passou a estudar o estoicismo tornando-se um de seus principais expoentes.

A frase de Epicteto citada acima, nos ensina que os que são verdadeiramente livres, são também os verdadeiramente instruídos. Mas alguém pode perguntar, livres do quê? Ou, instruídos em quê? Tanto em Roma, como na Grécia clássica, a escravidão era essencial para a economia. Nessas sociedades, mulheres e escravos não tinham todo o acesso ao conhecimento, e nem eram admitidos na participação dos debates em praça pública (só as pessoas livres devem ser educadas). Mulheres e escravos possuíam papeis definidos, e cada um à sua maneira vivia uma espécie de servidão.

Exemplos como o de Epicteto, que vivenciou a escravidão mas elevou-se a um patamar intelectual nivelado ao dos pensadores de sua época, ou os casos de Safo e Hipasia, mulheres que ousaram aventurar-se nesse mundo, exclusivo para homens, são raros na história. A humanidade não faz ideia do quanto perdeu criando essas muralhas de preconceito, fundamentadas em costumes e tradições.

Hoje os dias são outros. Ainda que zigotos desse mal sejam semeados em muitos recantos da Terra, a escravidão, se comparada às antigas eras, é quase extinta. Mas as mulheres ainda sofrem muito com o machismo, graças às ideologias patriarcais que insistem em vigorar.  


    Existem porém, muitas outras formas de ignorância e subserviência, para que possamos repousar tranquilamente a cabeça sobre o travesseiro. Se o mundo antigo adoecia porque muitos não tinham acesso ao conhecimento, ou alguns sistemas proibiam seu avanço, hoje a humanidade sofre porque não sabe absorver conscienciosamente toda a ciência que se avoluma. A humanidade ainda não é livre.


A democracia, ainda que com percalços, tem se mostrado o melhor princípio de governo que existe, mas para que esse sistema possa funcionar correctamenteé preciso que o povo seja instruído. Como o regime democrático pode ser um verdadeiro baluarte para a nação, pode também ser fonte de poder nas mãos de poucos, nas mãos daqueles que estão no comando da nação. A teoria democrática nos diz que o poder de decisão está nas mãos do povo, mas quando o povo não possui instrução e senso crítico, esse direito se aliena. O resultado é o abuso indiscriminado do poder concentrado nas mãos de líderes que esse mesmo povo, de forma cega, escolheu.

Um povo instruído, conclui-se, torna-se capaz de alcançar autonomia democrática, e é evidente que muitos dos que lideram um governo não pretendem que isso aconteça. Não é a toa que não vemos, em nosso país, um esforço maior em se investir em educação e cultura, assistimos apenas ao desenlace de movimentos tímidos, que esbarram numa série de impedimentos. Todos sofrem, mas poucos sentem a dor, a maioria está entorpecida, entretidos com o futebol ou os reality shows da tv. E se não sentem a dor, não há do que reclamar.

A liberdade que a instrução concede ao homem não se restringe apenas ao campo social, e na verdade essa nem é a área mais importante, a liberdade social será um sintoma, uma consequência. O preconceito, a ignorância, as superstições e desilusões, estão na conta dos grilhões que nos prendem. Vítimas dos predicativos citados, são incapazes de discernir ou avaliar o que quer que seja. Thomas Jefferson disse “Se uma nação espera ser ignorante e livre num estado de civilização, espera o que nunca foi e o que nunca será”.

Conscientizando-se de que a instrução é tão necessária para esta emancipação intelectual, é preciso agora estabelecer que tipo de instrução é essa. Epicteto fala de educação (as pessoas educadas são livres). Um dos termos latinos para educação é “educare”* que significa nutrir. Toda civilização desenvolvida ou primitiva possui métodos de trabalho, de produção, de defesa do estado ou tribo, possui também crenças religiosas, tecnologia e costumes, a tudo isso se dá o nome de cultura. Toda essa gama de valores e fazeres tinha de ser comunicada, e a transmissão oral e escrita, feita por pessoas qualificadas para isso, é o que chamamos de educação. Esse era o “nutrir” da educação, qualificar os jovens para o trabalho, para o bom desempenho de seus papéis dentro do grupo, seguindo um processo endo cultural. Caso contrário o futuro da tribo ou do estado correriam sérios riscos.

Com o advento da Filosofia o educar ganhou novos contornos, novos nuances. Além de preparar o homem para as labutas sociais, a educação seria causa de transformação, de um desabrochar do ser, levando o homem para além de si mesmo, ampliando seus horizontes. A educação em Filosofia é um acréscimo substancial de riqueza, construindo solidamente a célula, para que todo o tecido social se torne mais forte e coeso. Platão acreditava nisso, ainda que em sua República houvesse ressalvas quanto aos soldados e escravos, mas na sociedade ideal de Platão havia um avanço, pois até as mulheres poderiam ter participação. Vê-se que aos poucos a Filosofia ia quebrando tabus e preconceitos.

Hoje possuímos um quadro muito mais amplo do conceito de educação, mas a ideia original, a de nutrir, ainda é a mesma. É preciso que nossas mentes sejam bem alimentadas à semelhança de nossos corpos. Um pai pode escolher dar ao filho um café da manhã reforçado ou pobre em vitaminas, até mesmo escolher dar alimento prejudicial, como ovos fritos e bacon. Da mesma forma os pais são responsável pelo alimento cultural que tornará seus filhos gigantes intelectuais ou não.

Em muitos lares a tv funciona como ferramenta educadora, os pais deixam seus filhos diante da televisão, autopreservando-se das constantes perguntas que os filhos costumam fazer. Essas crianças formarão suas opiniões baseadas no que vêem na programação televisiva. E a grade de programas geralmente é de muito mau gosto. Se pais do mundo todo não tomarem uma iniciativa producente, seus filhos estarão perdidos, e a sociedade formada por esses jovens vislumbrará decadência e corrupção.

Diminuir o tempo de tv e entreter as crianças com actividades mais construtivas, é o que deveria ser feito. Outra coisa, e de mais importância, é criar o gosto pela leitura em nossos filhos. Acontece que, em casa onde não se lê dificilmente isso acontecerá. As crianças imitam os adultos, elas admiram seus hábitos. Numa família onde a maioria lê, ou pelos menos os pais lêem, as chances dos filhos se interessarem pela leitura será maior. Habituando-se a si mesmo e aos filhos na prática da leitura o resto do caminho será mais fácil.

Uma sociedade com homens livres não é utopia, é um sonho possível. Mas mudar o mundo é difícil, comecemos então por nós, podemos mudar o nosso universo, ampliar nossas perspectivas, basta querer. Vamos nutrir nossas mentes com alimento vigoroso e sadio, livre de saturação, de escória. O primeiro passo pode ser a aquisição de um livro. Qual livro? Depende do que quiser saber. Visite livrarias, consulte as bibliotecas. Existem livros que funcionam como “primeiros passos” para os que são leigos em determinados assuntos. Quer entender sobre o espaço e os planetas? Procure um livro que possa iniciá-lo em astronomia, na dúvida pergunta ao vendedor ou bibliotecário. Quer saber mais sobre as plantas, a vegetação de nosso país, um livro que o inicie em Botânica. E por aí vai. Se você procurar se aprofundar em algum assunto que lhe interesse, que goste ou ame, pode ter certeza que outras janelas de conhecimento se abrirão e sua mente, agora resiliente, se expandirá. O mesmo não se pode dizer daqueles que se contentam com o superficial, aliás esse é o mal de muitos.

Se no passado homens como Espártaco ou Robert de Brus se rebelaram, e com impertérrita belicosidade, alcançaram a tão almejada liberdade, é preciso assumir uma postura aguerrida contra nós mesmos, lutando contra as convenções, crendices e preconceitos, que fazem cómoda morada em nossas mentes. A verdade sempre vence.

Por: Emerson Freire 

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