Fonte: euincomodo.blogspot.com
Como fazem as igrejas cristãs, sem nenhuma preocupação real com o próximo (falo apenas das instituições), além da teoria – ou diriam aos ricos que se contentassem em ser menos ricos para que não houvesse abandonados e explorados na sociedade.
São aceites como naturais os abismos sociais - económico, educacional, informacional, de cidadania e dignidade, de direitos e oportunidades. Amarga mentira. Esses abismos são artificiais, construídos a partir de cima, para permanecer por cima. Por cima mesmo dos governos, da política e da media, que constrói com a maior competência as mentiras nas quais acreditamos. A população precisa acreditar, para se deixar conduzir a sustentar e manter todo esse esquema perverso contra si mesma.
Porque é a população quem sustenta com os impostos e trabalho, quem constrói ruas, prédios e calçadas, quem instala, carrega, levanta, derruba, atende, transporta, serve, limpa, cozinha, desentope, manobra, conserta e põe a mão na massa. E é explorada e desprezada, em nossa estrutura social. Roubada em seus direitos básicos e conduzida a desejos de consumos e privilégios superficiais, alienada e narcotizada pela media. A parte mais indispensável, mais necessária à sociedade, é exactamente a mais maltratada, a mais perseguida, a mais explorada. E em caso de inconformação, reprimida com desrespeito e violência. Não são claros os motivos de tanta mentira? Sem ricos, a sociedade poderia ser menos injusta. Sem pobres, seria impossível. São eles a base de apoio.
Impede-se o desenvolvimento do espírito humano, pois ameaçaria o controle dos poucos dominantes sobre a sociedade. E as hipocrisias seguem, junto com a vida. A maior parte das pessoas, abestalhada entre os entretenimentos e os desejos de consumo, tem sua atenção conduzida pela media para longe da política – apresentada como um mundo incompreensível entre a falcatrua de muitos e o heroísmo duvidoso de poucos, a hipocrisia de muitos e a honestidade de poucos -, com algo de repulsivo, criando um clima de assunto chato, incômodo repetitivo, no qual é desagradável pensar.
Não é à toa. Nesse mundo, o político, se manobram as marionetas do poder, se articulam os interesses das grandes empresas, se negocia com o património público. O poder económico local (industriais, latifundiários e outros empresários "de peso"), sócio menor e servidor de gigantescas transnacionais estrangeiras e nativas, controla o aparato público, as instituições, infiltra-se no Estado através das forças políticas, compradas com financiamentos de campanhas. A partir daí, se espalha nos poderes da república em variadas relações, no judiciário, nas estatais, nos serviços públicos, nas empresas prestadoras de serviços. A coisa pública, os bens públicos, o dinheiro público, controlados por interesses privados, fazendo fachada de democracia - só se for a "cracia do demo". Esse é o mundo dos crimes contra a humanidade, do roubo dos direitos básicos à maioria da população para privilegiar essa minoria de serviçais de luxo - que fazem pose de "superiores"- e gerar ganhos além da nossa imaginação para os pouquíssimos realmente poderosos – acima até dos Estados nacionais, a ponto de controlar as políticas públicas. Os povos precisam estar de alguma forma narcotizados, precisam ser ignorantes, desinformados, enganados, para se deixarem conduzir. Simples. Destrói-se o ensino público, controla-se o ensino particular, domina-se a media e o trabalho está feito. Fácil, quando se tem o governo, legisladores, altos postos do judiciário e a media na mão. E a garantia das forças de segurança, públicas e privadas.
Dizem que o mundo é uma guerra, a vida é uma competição e que todos são adversários, em suas áreas. Mentira. Somos irmãos seguindo a aventura da vida, nos desenvolvendo e procurando formas de resolver nossos problemas, solidariamente. Somos gregários, precisamos de harmonia, não de competição. A media é que nos instiga uns contra os outros, com a ideia furada de “vencedor” e “perdedor”. Nossa união apavora seus patrões. E a eficiência é tanta que mesmo entre os que se dizem revolucionários se vêem esses padrões de comportamentos e valores. Passar da competição à cooperação é um degrau da evolução humana.
Dizem que felicidade é consumir, é desfrutar e usufruir de luxo e fartura. Mentira. O mais próximo de felicidade que temos é gostar e ser gostado, é abraçar e ser abraçado, é se sentir útil à colectividade, é beneficiar os demais e confraternizar com todos, aprender e ensinar, ajudar e ser ajudado. A media nos induz ao consumo egoísta, ao isolamento, condiciona o valor de ser humano à posse, ao poder económico, ao nível de consumo, e as pessoas se sentem inferiorizadas ou superiorizadas, conforme esses padrões, se envergonham ou se orgulham por esses factores externos. Induções. Os valores reais são abstractos, estão no ser, não no ter.
É o consentimento geral o que sustenta essa estrutura. A crença nas mentiras plantadas. Acreditamos e reforçamos as correntes da nossa própria escravidão. Cada um de nós consente, em maior ou menor grau, esse estado de coisas. Cada um de nós pode começar o trabalho em si mesmo, que vai encontrar o que fazer, se for sincero consigo e tiver humildade para encarar as próprias falhas e condicionamentos. De dentro de si é que o trabalho de mudança externa ganha força, na profundidade das raízes, da sinceridade do sentimento. Pois é do trabalho interno que emanará a força avassaladora de uma verdadeira revolução. Cada revolucionário precisa começar o seu trabalho em si mesmo. Ou será mais um desses superficiais e arrogantes, intolerante e conflituoso, pronto a usar os recursos convencionais dessa estrutura doente, ou apenas reforçará a imagem do revolucionário chato, incómodo e indesejável.
Ninguém pode se dizer isento de induções inconscientes. Desde pequenos recebemos cargas maciças de publicidade – televisão, rádio, outdoors, folhetos, jornais, revistas, nos autocarros, trens, barcas, metros, nos telefones, em cartazes pela rua, na repetição dos refrões das propagandas. E dali não vêm apenas produtos e desejos de consumos. Embutidos, estão valores sociais e pessoais, objectivos de vida e esperanças, criminosas mentiras detalhadamente preparadas pelas empresas (publicitários e até psicólogos, sociólogos, pedagogos e advogados) e implantados pela media.
Cabe a nós destruir essas correntes, desacreditando-as dentro de nós mesmos e, a partir daí, contagiar à nossa volta, até onde pudermos alcançar. Nós, os que enxergam as correntes, os que não acompanham o gado e não se deixam enganar tanto, os que nos debatemos contra as pressões e lutamos por uma sociedade menos injusta, menos perversa e menos suicida. E mais humana, mais solidária, mais cuidadosa e sincera com todos os seus membros. Enfim, uma sociedade livre das garras de elites, ao serviço de todos.
Eduardo Marinho
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