sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O que está em jogo é o futuro da espécie e não o sistema econômico



Já disse neste espaço que as contribuições semanais do jornalista Washington Novaes de O Estado de São Paulo estão entre as melhores que se publicam na grande imprensa brasileira. Sempre atualizado, pertinente e com o enfoque nas mudanças necessárias. Este artigo é importante porque vários nomes da economia brasileira ou comentaristas econômicos estão despertando para a gravidade da crise ecológica e dos limites físicos do planeta Terra como André Lara Resende, Delfim Neto, Luiz Gonzaga Beluzzo e Miriam Leitão entre outros.Quando os economistas falam nestes assuntos é sinal de que a crise deve ser levada a sério, pois são eles que, por profissão, pensam a lógica e o destino do processo econômico, especialmente, o vigente, de viés capitalista em plena crise de seus fundamentos.
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É curioso e inquietante. À medida em que se vai o tempo e se aproxima o momento da realização da conferência Rio + 20 (que será em junho, no Rio de Janeiro), mais freqüentes se tornam as manifestações de dúvidas quanto à possibilidade de a discussão avançar em direção a formatos concretos de “governança planetária sustentável” e “economia verde” no plano global – seus temas centrais. Por que caminhos práticos e viáveis se chegaria aí, quando, neste momento de crise universal, nenhum país parece disposto a abrir mão de suas regras internas nem abandonar os tradicionais caminhos de aumentar a demanda, sobrecarregar o consumo de recursos naturais, para favorecer o crescimento econômico ? Como deixar de lado as fórmulas repisadas, do monetarismo absoluto ao keynesianismo e vizinhanças?
E, no entanto, lentamente a discussão e o noticiário parecem aproximar-se de um limite indesejado e execrado até em palavras – o da finitude dos recursos físicos, num momento em que o consumo global já está mais de 30% além da possibilidade de reposição planetária; em que já se perdeu também mais de 30% da biodiversidade total; e ainda é preciso avaliar as conseqüências de a população mundial caminhar dos 7 bilhões de indivíduos de hoje para 9 bilhões, pelo menos, até 2050. E isso obrigará só a produção de alimentos – para ficar em um único item – a aumentar 70%. Sem falar no bilhão de pessoas que passam fome, nos 40% da humanidade que vivem abaixo da linha da pobreza.
Bem ou mal, entretanto, o tema vai chegando à comunicação, com a força de diagnósticos e opiniões de economistas e outros intelectuais conceituados. Um deles (Os novos limites do possível) é do ex-presidente do BNDES e um dos autores do bem-sucedido Plano Real, André Lara Resende, que há poucos dias o publicou no jornal Valor (20/1/12 e ver O Globo de 5/2/12). Ali, entre muitas coisas, afirma ele que “não há mais como pretender que a economia mundial poderá continuar a crescer (…) Não há mais como contar com o crescimento da demanda de bens materiais para crescer. O crescimento pode não ser mais a opção de saída para a crise (…) Não há como viabilizar sete bilhões de pessoas com o padrão de consumo e as aspirações do mundo contemporâneo, nos limites físicos da Terra (…) O crescimento baseado na expansão do consumo de bens materiais está no seu capítulo final”. Subscrevendo a tese do economista Paul Gilding, da Universidade de Cambridge, pensa ele que “seremos obrigados a enfrentar uma parada brusca profundamente traumática”. E a reorganização da economia é “questão de, no máximo, uma década”.
Parece curiosa a evolução do pensamento do ex-presidente do BNDES. Porque no livro O Rio é tão longe” (Companhia das Letras, 2011), que traz a correspondência de décadas entre Otto Lara Resende e Fernando Sabino, o pai de André, numa carta de 1959, conta que o filho, então com oito anos de idade, perguntou à mãe: “Se Adão e Eva não tivessem pecado, ninguém morria. Então, como é que ia caber tanta gente na Terra e como é que ia todo mundo comer ?” Observava Otto que “esse menino vai longe, acaba na Cofap.” Foi muito além,chegou à autoria, com outros economistas, dos planos Cruzado e Real, à presidência do BNDES, muitos caminhos. Mas agora, meio século depois, continua preocupado com a finitude de recursos.
Essa inquietação já estava presente no livro O que os economistas pensam da sustentabilidade (Editora 34 – 2010), já comentado neste espaço, onde André Lara Resende afirma que “estamos ameaçando perigosamente o sistema ecológico”; essa idéia “é absolutamente verdadeira e tem de ser enfrentada (…) Mais crescimento pode se tornar menos bem-estar (…) A restrição ecológica, sobre a qual não se prestava atenção porque parecia distante, hoje é premente”. E, pesando sobre tudo, a frase que se torna um desafio para os economistas e todos os que pensam: “O Estado-Nação se tornou uma coisa anacrônica (…) Você tem de ter um governo central, é óbvio, mas o mundo ficou pequeno (…) Quem está ameaçada é a humanidade, não o ecossistema”. Desafios gigantescos, compartilhados – em parte ou não – no livro com professores como Ricardo Abramovay, Edmar Bacha, Eduardo Giannetti, José Eli da Veiga, Besserman Vianna e vários outros. Abramovay chega a dizer que “o que está em jogo, hoje, em torno de uma questão de sobrevivência da espécie humana, não apenas da sobrevivência do sistema capitalista, mas da democracia e da civilização contemporânea, é a capacidade das economias descentralizadas de responder ao desafio da sustentabilidade”.
Sempre surgem vozes que colocam em dúvida diagnósticos com os do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Organização para a Alimentação e a Agricultura (ONU), Worldwatch Institute, WWF e muitos outros, que apontam para a inviabilidade dos caminhos que estão levando à exaustão de recursos – e à impossibilidade de, nos atuais padrões de produção, atender ao consumo futuro.Mas basta relembrar o estudo publicado já em 2007 pela revista New Scientist, comentado aqui (27/7/2007), mostrando que em pouco tempo de esgotarão as reservas conhecidas de vários dos minérios mais utilizados, inclusive em setores estratégicos, como chips de computadores, telefones celulares, catalisadores de veículos, células d combustível. Eles dependem de platina, índio, háfnio, térbio, tântalo, antimônio, zinco, cobre, níquel, fósforo e outros, todos com horizonte curto.
Ainda uma vez, é preciso pensar na situação privilegiada do Brasil em várias áreas – háfnio, níquel, tântalo, alumínio, estanho. E conceber estratégias adequadas, não apenas em termos econômicos, de crescimento de mercados, projeções de demandas etc. – mas de sustentabilidade. E não apenas em termos nacionais, mas globais. Os tempos que estão chegando são outros. É preciso ter competência e urgência.
Publicado em O Estado em 10/2/12 sob o titulo: Os economistas dizem o que está em jogo.

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