FONTE: www.cartacapital.com.br
Pregar o fim do Federal Reserve, o Banco Central dos Estados Unidos, uma instituição consolidada em quase 100 anos de atividade, é certamente uma proposta ousada. Um tipo de ideia com alto potencial de repercução em tempos de eleição presidencial, abraçada por Ron Paul, pré-candidato republicano à Casa Branca e autor de um livro sobre o tema, que reflete a essência do Estado mínimo típica do Tea Party.
A proposta encontra, no entanto, abrigo nas correntes de pensamento de diversos analistas. Entre eles, Steve Horwitz, doutor em economia e professor da St. Lawrence University (EUA), que esteve em São Paulo na última semana para apresentar em um evento sua tese para tirar a ideia do papel.
“Em alguns países, os Bancos Centrais são uma espécie de vaca sagrada que ninguém toca”, dispara o acadêmico, estudioso da temática há cerca de 20 anos. Segundo ele, não fosse a crise mundial de 2008 e a investida de Paul, poucos se importariam em debater o assunto. Talvez, pelo nível pouco realista da proposta.
Para abater esse “animal sagrado”, Horwitz – para quem o maléfico BC americano é responsável pela Grande Depressão dos anos 30, as instabilidades na Segunda Guerra Mundial, recessões nos anos 80 e a grande crise dos últimos – propõe o retorne ao sistema utilizado antes da fundação da entidade reguladora. No país, até os anos 1920 os bancos imprimiam sua própria moeda. “Os bancos poderiam usar o ouro ou outra commoditie como âncora para o valor do dinheiro.”
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Segundo o acadêmico, a autorização eliminaria o monopólio do governo em imprimir moeda para aumentar suas reservas e pagar contas. Não menciona, porém, que os EUA inundaram o mercado de dólares na crise de 2008 e utilizaram essa liquidez para salvar o gigante City Group, entre outros bancos menores.
Horwitz defende que o governo trate o dinheiro como qualquer outra mercadoria e permita que os bancos operem da maneira que desejarem, desde que sem fraudes e com contratos legais, além de definir a quantidade de reservas necessárias para manter a economia em fluxo. Atualmente, essa é uma tarefa do BC. “Os bancos vão competir pela reserva que desejam”, diz.
A instituição que produzir moeda acima do necessário, segundo ele, verá seus clientes se desfazer dela depositando em outros bancos ou gastando. Por outro lado, os bancos concorrentes vão pedir que a entidade “donas” da moeda forneça reservas em ouro para aceitar o dinheiro. “Produza em excesso e suas reservas cairão. Produza pouco e elas vão se acumular, mas isso não é bom, pois perde-se uma grande oportunidade de emprestar”, explica.
Essa produção extra de dinheiro geraria concorrência e garantiria o valor da moeda, eliminando a necessidade do Banco Central. Algo que Antonio Carlos Alves dos Santos, doutor em economia e professor da PUC-SP, discorda. “Esse sistema provocaria uma concorrência para estabelecer a melhor moeda, a com maior credibilidade. Ao final deste processo, haveria um único banco com moeda em credibilidade no mercado”, diz.
“No melhor dos cenários, haveria quatro bancos imprimindo moedas, mas ao longo prazo, seria um monopólio privado”, completa.
Os defensores da eliminação do FED podem justificar que, ainda assim, o mercado estaria aberto para a participação de concorrentes, mas Santos aponta que seria muito difícil se recolocar na disputa. “Se um banco venceu a corrida e construiu a moeda com maior credibilidade, porque alguém a trocaria por outra?”
Júlio Sérgio Gomes de Almeida, doutor em economia e consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), aponta que a impressão de moeda por diversos bancos também levaria inevitavelmente a um sistema com um Banco Central local, ao invés de um nacional, após a “primeira crise”. “Esse modelo favorece turbulências de confiança.”
De acordo com o consultor, o BC não tem apenas o papel de administrador da moeda, é um agente de confiança para o dinheiro. “Aceita-se um pagamento em espécie se houver a certeza de que o valor será recebido naquela mesma moeda em outro lugar”, afima. “O BC é capaz de definir a aceitabilidade de uma forma geral, é um representante social.”
Para ele, se uma moeda enfrentar dificuldades, poderia haver uma sucessão de crises bancárias, pois não há como recorrer a recursos de um BC para ter liquidez, ou de turbulências como um todo. “Como as pessoas não tendem a acompanhar qual moeda tem menor ou maior valor para não se deixar contaminar por reações, isso significa dizer que poderá haver uma crise monetária a cada governo.”
Os analistas ouvidos por CartaCapital, também apontam falhas no raciocínio de que a concorrência entre bancos imprimindo moeda, baseada no ouro, levaria a um controle da inflação. “É uma ideia infeliz, pois ao usar o ouro como ancora, a inflação pode variar de acordo com o custo de produção do metal e o governo não saberia se isso ocorreu por algum outro motivo econômico”, alfineta Santos.
O economista ainda levanta outro problema em se estabelecer uma moeda ancorada: como acumular as reservas de ouro ou commodities? De forma física? “Não é um ponto em que os defensores entram em detalhes, pois é preciso o volume equivalente de ouro para se imprimir uma moeda.”
“Isso gera uma rigidez muito forte no sistema monetário, em que para fazer um ajuste é preciso deflacionar a economia. Vemos isso na Europa, a proposta dos alemães impõe uma redução de custos de nos países periféricos, salários e preços”, completa.
Horwitz aponta como último argumento que nos dias atuais a maior parte das movimentações do mercado é feita com moedas privadas, como depósitos, paypal ou cartão de crédito e débito. “Quase não vemos mais dinheiro em papel.”
Almeida rebate que o mercado tem condições de regular muitas coisas, “mas o dinheiro é um representante da riqueza e pressupõe uma moeda nacional ou estatal gerida por um órgão regulador do crédito, um órgão regulador que se debruça para controle da inflação”, ou um país ficaria sujeito a muitas crises.
“Vivemos em uma economia na qual a moeda é parte de um sistema importante e um BC independente ainda é o melhor sistema que conhecemos, com os melhores resultados”, defende Santos. “A direita americana realmente perdeu o rumo.”
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