FONTE:
Fernando Cartaxo de Arruda - Sociólogo
As primeiras impressões do processo eleitoral revelam um fenômeno de desagregação das forças políticas, a falta e incapacidade de tolerância na convivência dos grupos políticos, o esfacelamento de projetos agregadores e programas partidários solidários. A sensação para o eleitor e o cidadão é de um mundo político apartado da realidade, movido por desejos de poder que atropelam a sensatez, priorizando em sua essência a vontade de domínio muito mais voltada para a satisfação interior, num pantanal onde prevalece o egocentrismo e as pulsões individualistas.
A paisagem de desolação se retrata na abismal fragmentação de postulantes a candidatos. O multipartidarismo incessante e compulsivo é herança maquiavélica do arquiteto da transição bem-comportada da ditadura militar para um processo de redemocratização cambaleante e sem identidade. O Golbery do Couto e Silva foi o grande desenhista tanto do bipartidarismo como do pluripartidarismo. Mesmo na ditadura era permitido a disseção consentida de um mesmo partido lançar mais de um candidato, na chamada sublegenda, artifício para agregar em nossa cultura política os individualismos grupais sem tencionar rupturas.
Quando a contenção do processo político ficou sem controle, na fase de agonia de sustentabilidade da ditadura, foi jogada a semente da abertura política e permitida a fragmentação da frente política, que tinha por núcleo o velho MDB. Buscava-se fragmentar as forças de oposição e descaracterizar as identidades partidárias. Era uma tentativa de sobrevida para o moribundo sistema de exceção. A nossa transição política foi homeopática e conservadora, manipulada pelos artificies da estratégia política. Ainda tínhamos magos que buscavam ordenar e filtrar o desejo popular.
Esse legado nunca foi sanado em sua raiz, pois fomos incapazes de realizar uma Reforma Política que propiciasse o desenvolvimento e consolidação plena de um processo democrático com partidos políticos fortes e com identidades programáticas claras. O nosso sistema político tem uma perversão de origem, estruturado no personalismo e numa combinação indigesta de presidencialismo e multipartidarismo. Trocando em miúdos a governabilidade exige o acerto de contrários para funcionar, privilegiando os interesses dos quintais políticos e das idiossincrasias de líderes regionais e interesses corporativos, falsificando a própria essência da política.
O nosso modelo é arcaico, conservador e com anticorpos para mudanças mais profundas e de base. Daí a farsa do jogo da política brasileira, que não conseguimos nos desvencilhar e que fornece os cacoetes partidários e das pactuações obsoletas. Ou até mesmo dos comportamentos puristas e unicelulares, essas que são chamadas partículas de Deus.
Tudo isso para dizer do incompreensível, da insensatez e da ausência de diálogo entre agentes políticos racionais. É a forma irracional como fazemos e realizamos a política que é o subproduto de nossa indigência de pensar e agir, principalmente da esquerda ideológica brasileira. Movemo-nos mais nutridos por raiva ou rancor do que guiados por uma inteligência política de resultados práticos e firmeza de propósitos. Andamos com a pulsão de morte mais viva que a do prazer.
Em suma a política tem sido a arte da estupidez, esquecendo todas as lições históricas, soterradas por uma lógica indutora que busca a revelação para a autoafirmação. Coisa de menino que solta arraia e não vislumbrar o horizonte das próprias possibilidades criativas, aficionados no próprio feito de sonhar de forma solitária.
A história parece que nada nos ensinou. Ainda perseveramos no erro com galhardia, empáfia e destemor. De nada adiantou a insensatez do passado e os momentos de avanços da civilização. As palavras, as páginas, as tragédias e as glórias parecem não motivar atitudes maduras diante do desafio que penetra o existir e o futuro. Perdemos a capacidade da humildade e de ser simples. Há uma atração e um sabor indefinível para nos mantermos dentro de si com nossa propensão a sermos mais um capítulo da insensatez do agir. Parece que jogamos fora a nossa capacidade do agir comunicativo e do construir em um campo de forças que interage no sentido mais profundo do compartilhar os mesmos ideais. As diferenças entre a esquerda devem existir e conviver, nunca capitular diante dos desafios históricos.
A pesquisa eleitoral demonstra que a esquerda é capaz de fazer esforços para o ressurgimento do conservadorismo de direita no Brasil. No Ceará, a coisa é clara e parece existir algo inconcebível depois de muitos avanços alcançados e tantos outros a serem enfrentados. Ainda que seja uma fotografia precoce da realidade, o candidato Moroni Torgan pousar como o favorito eleitoral me parece um retrocesso histórico fruto da incompetência política de nossos líderes políticos. Por mais que os ventos da consciência o remova do pedestal da inconsistência política que os laboratórios eleitorais tenham o posto. Ainda assim é resultado da incompetência e insensatez como tem agido os partidos de esquerda e centro-esquerda no Ceará.
Sei que esse desenho da pesquisa ainda revela a inércia do processo eleitoral, mas não deixa de revelar o risco como tem se tratado a política e os reflexos da incapacidade do arco político de esquerda abrir canais para o diálogo entre as diferentes linhas de campanhas eleitorais.
A conversa é a arte da política, o diálogo não machuca egos e existem pessoas que sabem trabalhar coletiva e diante de divergências de leituras sobre a realidade. É bom saber que além do marketing existe a vontade de direcionar caminhos, que é a razão da política. Se um governante tem que saber como pensa o povo, por quê os partidos de centro-esquerda não formatam um grupo de diálogo. Será bom para o Ceará, melhor para o Brasil e mais saudável para a política. É porque existem príncipes e princesas no meio dos trabalhadores; a elite indo à classe operária.
Na verdade, acredito na democracia participativa e na gestão compartilhada. E sempre foi assim. Tem hierarquias que só servem aos palácios, sem cheiro de povo não se governa com autonomia. Hoje os empresários conversam tanto entre si que sabem melhor defender seus interesses.
Existe a ideia de se pensar a política como fonte de libertação e desenvolvimento, em todos os sentidos socioculturaiseconomicos. Ambientalmente responsável nos argumentos e na forma de preservar os canais de comunicação. E com resultados sensíveis para a população e o planeta!
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