quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Como derrubar os senhores feudais


Vinte e um anos. Esse é o tempo que o dirigente Carlos Arthur Nuzman terá permanecido na presidência do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) quando a tocha dos Jogos do Rio de Janeiro estiver acesa em 2016. Nuzman, que também preside o Comitê Organizador da Olimpíada brasileira, é o líder de uma estirpe de dirigentes que se perpetuam no poder do esporte nacional: dez confederações esportivas do País são comandadas há pelo menos dez anos por cartolas beneficiados por sucessivas reeleições.
A longevidade de cartolas como Nuzman pode estar com os dias contados. Tramita no Senado um projeto de lei que pretende combater a permanência de “dinastias” e, de maneira indireta, inibir abusos de poder e corrupção nas entidades esportivas brasileiras, bem como em federações e sindicatos. A proposta proíbe reeleições consecutivas, estipula um limite de quatro anos para a duração dos mandatos e prevê que cônjuges e parentes consanguíneos do eleito fiquem impedidos de se candidatar.
A ideia é impor às entidades as mesmas regras que a sociedade aprovou para os cargos executivos públicos. “Embora essas entidades não sejam públicas, elas gozam de isenção de impostos e incentivos do governo. Por isso, devem seguir os padrões democráticos que a sociedade brasileira estabeleceu”, afirmou a ­CartaCapital o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), autor da proposta. O ministro do Esporte, Aldo Rebelo, já se mostrou favorável à mudança. “Essas medidas trariam benefícios para as entidades e para a prática esportiva”, disse em nota.
A longevidade dos dirigentes esportivos é a parte visível de uma estrutura arcaica que favorece sempre o grupo que está no poder e dificulta a mudança de práticas, necessária quando o investimento não se transforma em melhorias para os atletas ou resultados. O presidente do Comitê Olímpico Brasileiro é eleito pela assembleia-geral da entidade. Têm direito a voto apenas as federações dos 28 esportes olímpicos e os três “membros natos do COB”. São membros natos o próprio Nuzman, seu vice, André Richer, e João Havelange, que comandou a Fifa durante 24 anos e que recentemente foi condenado por receber propina de uma empresa de marketing esportivo. O sistema em vigor dá superpoderes ao presidente do COB, pois é ele quem determina o destino e o tamanho dos repasses de verbas para as federações. Como são as próprias federações que elegem o próximo presidente, o comandante de cada uma delas precisa fazer reivindicações com ponderação, sob risco de ser penalizado no repasse de verbas. Agrava a situação o fato de o estatuto do COB exigir que um dirigente tenha o apoio de pelo menos dez presidentes de federação para apresentar sua candidatura. Assim, oposição só surge em caso de rebelião.
Cunha Lima já prevê uma pressão contrária dos dirigentes. O COB de Nuzman informou a CartaCapital que a entidade é contrária à ideia. “A gestão de um dirigente deve ser analisada sob a ótica dos resultados e das conquistas alcançadas, de sua representatividade no âmbito das entidades esportivas internacionais e do legado”, diz a entidade em nota. “O COB defende a autonomia das entidades dirigentes esportivas e considera que a definição do tempo de mandato do presidente deve ser uma atribuição da comunidade da respectiva entidade desportiva.”
O ex-judoca Aurélio Miguel, medalha de ouro em Seul em 1988 e atualmente vereador em São Paulo pelo PR, é um dos ex-atletas contrários à perpetuação de dirigentes. “Essa sempre foi a minha bandeira. O Ministério Público deve ter poder para fiscalizar os atos das confederações. Na hora de receber o recurso do governo, elas dizem ter interesse público, mas na hora de ser fiscalizadas, se dizem privadas. Uma eleição com apenas uma reeleição ajudaria a mudar isso”, entende, apesar de ressaltar que enxerga a gestão de Carlos Arthur Nuzman com bons olhos.
Tabela com os cartolas beneficiados por sucessivas reeleições
Miguel sentiu na pele os problemas internos que uma confederação pode ter. Quando era judoca, encabeçou um movimento contra a chamada “dinastia Mamede” na Confederação Brasileira de Judô (CBJ). Ele e outros judocas, como Rogério Sampaio (medalha de ouro em 1992), ficaram três anos sem participar de competições oficiais por conta de desavenças com o então presidente da entidade, Joaquim Mamede. “O governo ajudava com alguma verba, mas, como as contas da CBJ estavam condenadas, esse dinheiro era embargado, porque vinha através da federação e não diretamente ao atleta. E havia cobrança de ágio pelos dirigentes, era muito difícil.” A família Mamede comandou a CBJ por 31 anos, entre 1970 e 2001.
Se não é tão raro ouvir as reclamações de um ex-atleta como Miguel, raríssimos são os esportistas ainda em atividade que se posicionam contra o status quo da política esportiva. Um desses atletas é Diogo Silva, semifinalista do tae kwon do em Londres-2012. “Existe um ciclo vicioso centralizador que faz as associações de academia elegerem presidentes das federações, que elegem os presidentes das confederações, que escolhem o presidente do COB”, diz Silva. “Se um presidente de federação vira oposição, ele passa a ter dificuldades para desenvolver o esporte no seu núcleo. Muitos queriam votar contra (o Nuzman), mas temem retaliações”, afirma.
Silva entende que a participação política dos atletas é prejudicada nesse contexto. “O dinheiro está nas mãos do COB. Se você levanta a bandeira da oposição, vai ter um caminho muito mais difícil para chegar ao sucesso. Sou atleta não para ganhar dinheiro, mas para provocar essa discussão.”
Aos 30 anos, o lutador diz se preparar para ser um dirigente capaz de tornar o sistema mais justo e transparente ao se aposentar. Exemplos de mais transparência no comando de comitês olímpicos sobram no exterior. Um bom deles é o da Coreia do Sul. Embora no Brasil alguns dirigentes aleguem que mandatos curtos atrapalham a administração e prejudicam o trabalho a longo prazo, os sul-coreanos são um exemplo flagrante de que a alternância de poder não impede o sucesso. Desde 1984, o país só não ficou entre as dez primeiras colocações no quadro de medalhas olímpicas em Sydney, em 2000. Em Londres, ficaram em quinto lugar. O comitê olímpico local teve oito presidentes, apenas um deles reeleito.

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