FONTE: www.cartamaior.com.br
O mercado financeiro está acreditando que o Banco Central Europeu pode salvar o euro? O problema é que não há plano B sobre a mesa. Com um endividamento de 82% sobre o PIB, com uma economia que começa a desaquecer e que desde a criação do euro só cresceu 1,4%, em média (menos que a França, Holanda e o conjunto da zona do euro), com uma chanceler democrata cristã, Angela Merkel, casada com o credo conservador, a Alemanha parece decidida ao não dar passo novo algum. O artigo é de Marcelo Justo.
Marcelo Justo - Londres
Londres - O mercado financeiro está acreditando que o Banco Central Europeu pode salvar o euro? Na quinta-feira, parecia que não. Na sexta, começou a parecer que sim. Vamos pôr as coisas em contexto. Na semana passada, o presidente do Banco Central Europeu (BCE) Mario Draghi tinha acalmado os mercados dizendo que “faria tudo” para salvar o euro.
Na quinta assinalou que não interviria, a menos que os mesmos países lhe pedissem. A reação dos mercados foi instantânea: aumento do risco país da Espanha e da Itália, queda das bolsas europeias e asiáticas. Mas na sexta houve uma recuperação das bolsas europeias pela manhã, num movimento tão inesperado como a falta de anúncios concretos de Draghi.
Para Adam Leaver, membro do centro interdisciplinar CRESC (Centre for Research on Socio-Cultural Change) e pesquisador da Manchester Business School, todas essas flutuações dos mercados não fazem mais que refletir a enfermidade de fundo do sistema financeiro internacional. “A reação ao que se disse na semana passada é tão extraordinária como a que está havendo nesta semana.
É uma evidência da volatilidade e da incerteza do atual sistema financeiro, que não saiu da crise de 2008”, disse Leaver a Carta Maior.
Esta incerteza global está atravessada por uma crise da zona do euro que começa a parecer crônica: crescimento nulo ou negativo, austeridade, déficit fiscal e recessão, altos níveis de endividamento com fortes vencimentos no curto prazo.
Sob esse pano de fundo, Mario Draghi indicou que, em semanas, anunciará seus planos para a aquisição de bônus da dívida do estado e que “não havia sentido apostar contra o euro”. A reação ambivalente dos mercados pode ser entendida como uma resposta a partes distintas de seu discurso.
Na quinta predominou a decepção com a falta de medidas concretas depois de ter gerado tanta expectativa. Na sexta, a certeza de que, desta vez, a intervenção não será esporádica, mas parte de um plano ordenado. Não há razão para pensar que os mercados já tenham fixado um sentido único para as suas palavras: nos próximos dias novas interpretações de sua mensagem e a posição do BCE podem dar lugar a novas flutuações dos mercados.
Reação da Espanha e da Itália
A Espanha e a Itália se preocuparam em reagir de maneira positiva ao anúncio. Numa declaração que o matutino espanhol “El País” interpretou como de “devolução da bola” a Draghi, Rajoy indicou que pediria ao fundo de resgate europeu que compre a títulos da dívida pública espanhola – o pedido é a condição que Draghi impôs – uma vez conhecidas as medidas “não convencionais” que o BCE disse que tomaria.
Rajoy destacou que Draghi tinha dito que estava disposto a intervir. “Isso é muito importante, porque antes ele tinha dito exatamente o contrário”, afirmou. Num sentido similar se pronunciou o premier italiano Mario Monti, o qual, no entanto, descartou que a Itália necessite de um resgate financeiro. “O que se passa é que, às vezes, os mercados tardam a reconhecerem os esforços que se está fazendo”, disse Monti.
O fundo de resgate é o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF), claramente insuficiente (tem uns 388 bilhões de dólares de reserva). O fundo será substituído possivelmente em setembro pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEDE) que, quando estiver em pleno funcionamento, contará com uns 776 bilhões de dólares.
Esta cifra só seria suficiente para a Espanha, que tem reservas na casa dos 48 bilhões de dólares, vencimentos de dívidas equivalentes a mais de 600 bilhões de dólares até 2015 e uma dívida externa que o mesmo Rajoy estimou em 900 bilhões de euros (mais de um bilhão de dólares). O resgate da Itália custaria um bilhão de dólares e está totalmente foram do alcance desses fundos.
É por isso que a intervenção do BCE é considerada essencial para uma saída financeira da crise. O BCE adquiriu títulos da dívida de países membros da zona do euro em três oportunidades. Em maio de 2010, logo no começo do estouro da crise da dívida soberana grega, em agosto e em dezembro do ano passado, quando, com outros dois resgates (Irlanda e Portugal) decidiu neutralizar a pressão especulativa dos mercados sobre a Espanha e a Itália.
A diferença agora é que Mario Draghi indicou que haverá um plano concreto com montantes específicos.
Pode-se salvar o euro?
A pergunta é se essa engenharia financeira será suficiente para acalmar as águas turbulentas e baixar as taxas de juros que a Espanha e a Itália pagam aos mercados financeiros. A segunda incerteza é: por quanto tempo a situação atual é sustentável. A terceira é que se as economias da zona do euro não voltarem a crescer, qualquer plano pode se tornar econômica e politicamente insustentável.
O Plano A (austeridade) pôs em marcha, em 2010, não serviu. Grécia, Irlanda e Portugal tiveram de ser resgatados, apesar dos ajustes. O mesmo está acontecendo com a Espanha e a Itália. A crise além disso está se deslocando para as economias do norte europeu. A economia alemã já não cresce, suas exportações caíram e em julho a agência estadunidense Moody pôs em perspectiva negativa a qualificação máxima (AAA) que outorga à sua dívida soberana.
O problema é que não há plano B sobre a mesa. Com um endividamento de 82% sobre o PIB, com uma economia que começa a desaquecer e que desde a criação do euro só cresceu 1,4%, em média (menos que a França, Holanda e o conjunto da zona do euro), com uma chanceler democrata cristã, Angela Merkel, casada com o credo conservador, a Alemanha parece decidida ao não dar passo novo algum.
Como disse Gunnar Beck, especialista alemão em temas legais relacionados à União Europeia de SOAS, Universidade de Londres, à Carta Maior, quando for o momento, a Alemanha intervirá. “Na Alemanha, a própria Angela Merkel disse que se o euro fracassar, a Alemanha fracassa. É uma ideia muito arraigada no estamento político alemão, e tem a ver com a culpa nacional. Os políticos alemães sempre apostaram num aprofundamento da integração europeia”, disse Beck.
Essa vontade política de última instância não é suficiente para garantir a sobrevivência do euro. À avaliação da agência Moody juntou-se, em julho, uma pesquisa do Bank of America de Gestores do Fundos, segundo a qual 32% calculava que a Alemanha seria arrastada para a crise. Isso explica a preocupação com a qual se acompanha o tema na Alemanha e o debate que gerou a proposta de solução da crise do partido da esquerda alemã Die Linke, como recentemente a Carta Maior publicou.
A proposta da deputada federal Sarah Wagenknecht contempla a eliminação de todas as dívidas que ultrapassem 60% do PIB (limite de endividamento estabelecido pelo Tratado de Maastricht) e beneficiaria a própria Alemanha. Em outra época, uma iniciativa de uma deputada que pertenceu ao Partido Comunista da Europa do Leste não seria levada em conta. Mas os alemães estão preocupados.
Uma reestruturação radical da dívida a tornaria administrável e liberaria fundos de investimento e o crescimento econômico. Segundo Gunner Beck, no entanto, isso não é politicamente viável. “O mérito da ideia é que ela oferece ao menos uma solução possível. O problema é que não é aceitável no nível político”, explicou Beck à Carta Maior.
Mas o filme do euro está se aproximado de seu desenlace. Neste momento, a proposta pode parecer inviável, mas se a crise se aprofundar, a reestruturação da dívida terminará se impondo pela força, com base na lógica elementar de que ninguém pode pagar se não há dinheiro.
Tradução: Katarina Peixoto
Na quinta assinalou que não interviria, a menos que os mesmos países lhe pedissem. A reação dos mercados foi instantânea: aumento do risco país da Espanha e da Itália, queda das bolsas europeias e asiáticas. Mas na sexta houve uma recuperação das bolsas europeias pela manhã, num movimento tão inesperado como a falta de anúncios concretos de Draghi.
Para Adam Leaver, membro do centro interdisciplinar CRESC (Centre for Research on Socio-Cultural Change) e pesquisador da Manchester Business School, todas essas flutuações dos mercados não fazem mais que refletir a enfermidade de fundo do sistema financeiro internacional. “A reação ao que se disse na semana passada é tão extraordinária como a que está havendo nesta semana.
É uma evidência da volatilidade e da incerteza do atual sistema financeiro, que não saiu da crise de 2008”, disse Leaver a Carta Maior.
Esta incerteza global está atravessada por uma crise da zona do euro que começa a parecer crônica: crescimento nulo ou negativo, austeridade, déficit fiscal e recessão, altos níveis de endividamento com fortes vencimentos no curto prazo.
Sob esse pano de fundo, Mario Draghi indicou que, em semanas, anunciará seus planos para a aquisição de bônus da dívida do estado e que “não havia sentido apostar contra o euro”. A reação ambivalente dos mercados pode ser entendida como uma resposta a partes distintas de seu discurso.
Na quinta predominou a decepção com a falta de medidas concretas depois de ter gerado tanta expectativa. Na sexta, a certeza de que, desta vez, a intervenção não será esporádica, mas parte de um plano ordenado. Não há razão para pensar que os mercados já tenham fixado um sentido único para as suas palavras: nos próximos dias novas interpretações de sua mensagem e a posição do BCE podem dar lugar a novas flutuações dos mercados.
Reação da Espanha e da Itália
A Espanha e a Itália se preocuparam em reagir de maneira positiva ao anúncio. Numa declaração que o matutino espanhol “El País” interpretou como de “devolução da bola” a Draghi, Rajoy indicou que pediria ao fundo de resgate europeu que compre a títulos da dívida pública espanhola – o pedido é a condição que Draghi impôs – uma vez conhecidas as medidas “não convencionais” que o BCE disse que tomaria.
Rajoy destacou que Draghi tinha dito que estava disposto a intervir. “Isso é muito importante, porque antes ele tinha dito exatamente o contrário”, afirmou. Num sentido similar se pronunciou o premier italiano Mario Monti, o qual, no entanto, descartou que a Itália necessite de um resgate financeiro. “O que se passa é que, às vezes, os mercados tardam a reconhecerem os esforços que se está fazendo”, disse Monti.
O fundo de resgate é o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF), claramente insuficiente (tem uns 388 bilhões de dólares de reserva). O fundo será substituído possivelmente em setembro pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEDE) que, quando estiver em pleno funcionamento, contará com uns 776 bilhões de dólares.
Esta cifra só seria suficiente para a Espanha, que tem reservas na casa dos 48 bilhões de dólares, vencimentos de dívidas equivalentes a mais de 600 bilhões de dólares até 2015 e uma dívida externa que o mesmo Rajoy estimou em 900 bilhões de euros (mais de um bilhão de dólares). O resgate da Itália custaria um bilhão de dólares e está totalmente foram do alcance desses fundos.
É por isso que a intervenção do BCE é considerada essencial para uma saída financeira da crise. O BCE adquiriu títulos da dívida de países membros da zona do euro em três oportunidades. Em maio de 2010, logo no começo do estouro da crise da dívida soberana grega, em agosto e em dezembro do ano passado, quando, com outros dois resgates (Irlanda e Portugal) decidiu neutralizar a pressão especulativa dos mercados sobre a Espanha e a Itália.
A diferença agora é que Mario Draghi indicou que haverá um plano concreto com montantes específicos.
Pode-se salvar o euro?
A pergunta é se essa engenharia financeira será suficiente para acalmar as águas turbulentas e baixar as taxas de juros que a Espanha e a Itália pagam aos mercados financeiros. A segunda incerteza é: por quanto tempo a situação atual é sustentável. A terceira é que se as economias da zona do euro não voltarem a crescer, qualquer plano pode se tornar econômica e politicamente insustentável.
O Plano A (austeridade) pôs em marcha, em 2010, não serviu. Grécia, Irlanda e Portugal tiveram de ser resgatados, apesar dos ajustes. O mesmo está acontecendo com a Espanha e a Itália. A crise além disso está se deslocando para as economias do norte europeu. A economia alemã já não cresce, suas exportações caíram e em julho a agência estadunidense Moody pôs em perspectiva negativa a qualificação máxima (AAA) que outorga à sua dívida soberana.
O problema é que não há plano B sobre a mesa. Com um endividamento de 82% sobre o PIB, com uma economia que começa a desaquecer e que desde a criação do euro só cresceu 1,4%, em média (menos que a França, Holanda e o conjunto da zona do euro), com uma chanceler democrata cristã, Angela Merkel, casada com o credo conservador, a Alemanha parece decidida ao não dar passo novo algum.
Como disse Gunnar Beck, especialista alemão em temas legais relacionados à União Europeia de SOAS, Universidade de Londres, à Carta Maior, quando for o momento, a Alemanha intervirá. “Na Alemanha, a própria Angela Merkel disse que se o euro fracassar, a Alemanha fracassa. É uma ideia muito arraigada no estamento político alemão, e tem a ver com a culpa nacional. Os políticos alemães sempre apostaram num aprofundamento da integração europeia”, disse Beck.
Essa vontade política de última instância não é suficiente para garantir a sobrevivência do euro. À avaliação da agência Moody juntou-se, em julho, uma pesquisa do Bank of America de Gestores do Fundos, segundo a qual 32% calculava que a Alemanha seria arrastada para a crise. Isso explica a preocupação com a qual se acompanha o tema na Alemanha e o debate que gerou a proposta de solução da crise do partido da esquerda alemã Die Linke, como recentemente a Carta Maior publicou.
A proposta da deputada federal Sarah Wagenknecht contempla a eliminação de todas as dívidas que ultrapassem 60% do PIB (limite de endividamento estabelecido pelo Tratado de Maastricht) e beneficiaria a própria Alemanha. Em outra época, uma iniciativa de uma deputada que pertenceu ao Partido Comunista da Europa do Leste não seria levada em conta. Mas os alemães estão preocupados.
Uma reestruturação radical da dívida a tornaria administrável e liberaria fundos de investimento e o crescimento econômico. Segundo Gunner Beck, no entanto, isso não é politicamente viável. “O mérito da ideia é que ela oferece ao menos uma solução possível. O problema é que não é aceitável no nível político”, explicou Beck à Carta Maior.
Mas o filme do euro está se aproximado de seu desenlace. Neste momento, a proposta pode parecer inviável, mas se a crise se aprofundar, a reestruturação da dívida terminará se impondo pela força, com base na lógica elementar de que ninguém pode pagar se não há dinheiro.
Tradução: Katarina Peixoto
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